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11/11/10

O Político Mário Augusto da Silva (V)

Um exemplo de intervenção cívica e política do Professor Mário Augusto da Silva, fundador do Museu Nacional da Ciência e da Técnica (que os "espíritos maléficos" parecem estar a conseguir destruir, novamente!), pela sua coragem, frontalidade e ideias claras, ao serviço dos ideais da liberdade e da democracia, contra a usura, o despotismo, a ignorância e a estupidez que governou Portugal durante décadas, de 1926 a 1974. Infelizmente, na última década também!

Fotos da campanha do General Humberto Delgado em Coimbra (1958). As duas fotos de cima referem-se ao comício no antigo Teatro Avenida e ambas ilustram o momento da ovação do público presente à entrada do Professor Mário Silva na sala (no camarote central). Em baixo, Mário Silva à direita do General.

Foto de Mário Silva, em 1928, do documento de identificação durante a sua estada no Instituto do Rádio de Paris, onde foi assistente de Madame Curie

A Mário Silva foi-lhe negada a possibilidade de fazer investigação científica, quando tinha apenas trinta anos e era já Professor Catedrático de Física da Universidade de Coimbra e director do Laboratório de Física. Nos anos trinta, Mário Silva viveu totalmente absorvido com os seus trabalhos, mais voltados à docência e menos à investigação por força das circunstâncias. "Como professor, Mário Silva elevou o nível das suas aulas a par do que havia então de melhor em qualquer universidade europeia ou americana. Não há qualquer exagero nesta afirmação. Quando o Prof. Rodrigo Sarmento de Beires veio leccionar «Correntes Fortes» no último ano de Electrotecnia da Faculdade de Engenharia do Porto dispensava das primeiras aulas os antigos alunos do Prof. Mário Silva da cadeira de «Electricidade», no terceiro ano da Faculdade de Ciências de Coimbra. Esta atitude única dum professor tão competente e exigente como Sarmento Beires demonstra bem o alto conceito em que situava as lições do Mestre de Coimbra...", como referiu o Professor Eduardo Caetano, seu antigo aluno, recentemente falecido [2].

Publicou todas as suas lições. Traduziu alguns livros, entre os quais «O Significado da Relatividade» de A. Einstein e «Pensamento Científico Moderno» de Jean Ulmo. Este último em 1963 [1]. Verificou, com apreço, que a sua tese filosófica, contida na oração de sapiência intitulada «Elogio da Ciência» que proferiu na abertura solene do ano lectivo de 1942, seria justificada com o maior relevo naquele livro. Escreveu, entre outras, uma obra de Física Teórica de grande valor que, infelizmente, ficou incompleta devido ao tremendo efeito que lhe causaram a prisão em Agosto de 1946 e a sua aposentação compulsiva da Universidade no ano seguinte. Aliás, o primeiro livro sobre as equações de Maxwell foi brochado quando estava preso pela PIDE no Porto. Para ali lhe foram enviados os primeiros cem volumes, para rubricar, em virtude de ter reservado os direitos de autor. É interessante notar que foram vendidos em Coimbra pela Coimbra Editora, da qual Salazar era sócio , não obstante o Professor ter escrito, à mão, em todos os exemplares: "Nas prisões da PIDE do Porto, em Outubro de 1946. Mário Silva". Foram seus companheiros de prisão, entre outros, Ruy Luís Gomes, Cal Brandão, Azeredo Antas, Hélder Ribeiro e Domingos Pereira, antigo Presidente do Conselho de Ministros.

Uma curiosidade é que para além de ter sido preso , sem sobre ele existir qualquer acusação, a sua libertação foi obra de um mero acaso. Aqui fica um pequeno relato que Rangel de Lima contou a Mário Silva [2]. Um dos seus filhos, também engenheiro, havia casado com uma filha do capitão Catela, director da PIDE. Tinha sido aluno de Mário Silva. Assim que soube que o Professor estava preso na polícia política do Porto insistiu com o sogro para saber os motivos que levaram a PIDE a prender o seu antigo professor. E daí a análise do processo e a liberdade. Foi, afinal, uma circunstância marginal ao processo que restituiria a liberdade a Mário Silva. E se não existisse? Contou ainda Rangel de Lima que, dias depois do Professor ser posto em liberdade, Salazar soube por outrem da decisão do director Catela. Chamou-o ao seu gabinete para o invectivar nos seguintes termos: "Então o senhor pôs em liberdade o Dr. Mário Silva, aquele agitador de Coimbra que estava preso no Porto?" O Capitão Catela respondeu-lhe que não havia razões nem provas que justificassem a sua prisão e, portanto, ele e o director da PIDE do Porto haviam decidido pô-lo em liberdade. Alguns meses depois o capitão Catela morreu sentindo sempre, segundo o relato de Rangel de Lima, a hostilidade de Salazar contra ele, a partir daquele encontro. Algum tempo após a sua morte, um ministro apresentou em Conselho de Ministros uma proposta com a finalidade de ser concedida uma pensão à viúva do capitão Catela. Salazar recusou-a.

Perdeu-se o Cientista, ganhou-se o Democrata. O célebre despacho da Presidência do Conselho, de 1947, trágico para Portugal e que Mário Silva encabeçou, privou-o da carreira para a qual tinha nascido. Único membro português da American Physical Society, chegou a ser vendedor de vinho espumante das Caves Vice-Rei. Foi um excelente vendedor, pois todos compravam muitas garrafas de espumante como prova da sua solidariedade. Apesar de diversos convites de instituições estrangeiras, Mário Silva foi obrigado a recusá-los porque nem o direito ao exílio lhe foi concedido. Posteriormente, e nesse ano de 1947, a Philips Portuguesa nomeou-o seu conselheiro científico, cargo que ocupou até se reformar em 1965. Após a sua reforma e como explicador de Física, chegou a ter cerca de 200 alunos (!). Na cave de sua casa na Quinta do Espinheiro, na Rua Bissaia Barreto em Coimbra, existia uma autêntica sala de aulas.

Nos anos trinta não esteve envolvido em nenhuma actividade política, não deixando de ter largas discussões sobre Filosofia e Ciências Políticas numa tertúlia de que faziam parte, entre outros, Teixeira Ribeiro, Manuel dos Reis, José Oliveira Neves e Anselmo de Castro. A sacudidela no marasmo político português verificou-se devido à guerra civil espanhola. Todos os democratas de então uniram esforços. Os oposicionistas ao regime vigente uniram-se. A democracia no mundo estava em perigo. O fascismo e o nazismo, em escalada verdadeiramente imparável, atingiam o seu apogeu no início da 2ª Guerra Mundial. Só em plena 2ª Guerra Mundial se envolveu, juntamente com outros ilustres democratas, em actividades políticas activas em favor da democracia [2].

Foi membro, como representante por Coimbra, do Comité Nacional do MUNAF, Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista, do qual era presidente o General Norton de Matos. Foi membro da sua Comissão Executiva, órgão máximo do movimento, a convite de Bento de Jesus Caraça. Participou na campanha eleitoral do General Norton de Matos para a Presidência da República, em 1949. Com a estruturação do MUD, Movimento de Unidade Democrática, Mário Silva foi vice-presidente da sua Comissão Distrital por Coimbra, tendo convidado para a presidência Anselmo Ferraz de Carvalho. Em 1961, Mário Silva foi candidato a deputado à Assembleia Nacional, pelo distrito de Coimbra, pelas listas afectas à Oposição Democrática. Como se sabe, a Oposição Democrática apresentou listas em diversos círculos mas desistiu por considerar que não existiam condições mínimas para a realização de eleições. Antes, em 1958, tinha participado activamente na campanha do General Humberto Delgado para a Presidência da República, como bem ilustram as fotografias acima. Como todos devem saber, em 1965, o General "Sem-Medo" for barbaramente assassinado pela PIDE.

A este propósito recordem-se as palavras do médico de Coimbra, Louzã Henriques, que na cerimónia comemorativa do cinquentenário destes acontecimentos "passou em revista as movimentações da "estudantada" que rompeu os cordões policiais e "limpou a área" para que o comício de Humberto Delgado se pudesse realizar, bem como a importância dos intelectuais da época de que "ninguém fala"", de acordo com o relato da jornalista Diana Andringa. Pois bem, Mário Augusto da Silva é um dos que ninguém fala, mas que este blogue tudo fará para que a história não o esqueça, omita, branqueie ou, pior, humilhe. Contra tudo e contra todos. Porque tem sido assim mesmo. As fotos, se bem analisadas, são bem elucidativas da importância que Mário Silva teve naqueles tempos em que era necessário ter muita coragem. Todos o conheciam por isso mesmo. Hoje, todos os esqueceram ou querem esquecer. Não se compreende que obras sobre a nossa história contemporânea, como a extensa obra "Portugal Contemporâneo", da responsabilidade do Dr. António Reis, confunda o nome do Professor Mário Augusto da Silva com o do brigadeiro salazarista Mário Silva. Ou seja, confunde a vítima com o carrasco. Imperdoável, considerando a dimensão da personalidade de Mário Silva que foi, indubitavelmente, um dos mais prestigiados cientistas portugueses de todos os tempos, reconhecido mundialmente, e um democrata republicano que enfrentou, sem qualquer temor, o regime do Estado Novo. Em frente...

Quando a oposição democrática se reorganizou a seguir ao acto eleitoral de Humberto Delgado, reunindo todas as facções antifascistas, com a excepção dos comunistas a fim de não ser considerada clandestina, tomou o nome de ADS, Acção Democrática Social, a qual era liderada por Cunha Leal. Embora com certa relutância, por considerar Cunha Leal parcialmente responsável pelo aparecimento do regime salazarista, aceitou o convite para participar nesta organização. Para Mário Silva, Cunha Leal teve o mérito de aglutinar à sua volta a oposição não comunista, unindo-a, com a excepção dos que, após a cisão provocada por Mário Soares, se afastaram da ADS. Do distrito de Coimbra acompanharam Mário Soares, entre outros, Paulo Quintela, Adolfo Rocha (Miguel Torga) e Fernando Vale [2].

Alguns professores da velha Universidade de Coimbra, como Ferraz de Carvalho, Teixeira Ribeiro e Paulo Quintela, pertenciam à oposição. Mas, naquela época de fascismo triunfalista, só Mário Silva foi membro activo de organizações clandestinas antifascistas. Mais tarde, levou Ferraz de Carvalho e Lúcio de Almeida a pertencerem a algumas dessas organizações. É pois com inteira justiça que se poderá considerar Mário Silva o universitário coimbrão mais acérrimo, perseverante e actuante opositor do regime salazarista. Pelo menos esta ideia ele a tinha e nisso sentia muito orgulho [2]. Considerou o dia 25 de Abril de 1974 como o dia mais feliz da sua vida. Acabava nesse dia um regime que longamente o hostilizou, obstruiu, prendeu e o expulsou da Universidade. Contudo, sobressaltou-se quando se apercebeu que a luta contra o totalitarismo, agora de sinal oposto, ainda não tinha terminado. Viu, com desgosto, repetirem-se as lamentáveis cenas por que tinha passado muitos anos antes e contra as quais tinha lutado toda a sua vida. Mancharam os ideais da Revolução. Felizmente a Democracia venceu. Hoje, depois de anos a conspirar contra Portugal e os portugueses, a oligarquia parece ter vencido , esgotando a democracia na ida às urnas, mas, enfim, até ver temos liberdade de expressão. Finalmente, e só no dia 11 de Fevereiro de 1976 (!), foi reintegrado. No jornal «A Luta», Raul Rego assinava um artigo de fundo que intitulou «Reintegração» e escrevia: "Não se pode dizer que tenha sido pronta a justiça feita a Mário Silva agora reintegrado como Professor Catedrático da Faculdade de Ciência da Universidade de Coimbra. Vinte e dois meses depois da revolução chegou a sua hora..." (!).

Nota final:

Em 2005 comemorou-se o Ano Internacional da Física. O Professor Mário Augusto da Silva, um dos maiores Físicos portugueses do Século XX, foi "homenageado" de forma exemplar. Por decisão do Conselho de Ministros de Setembro de 2004, então presidido por Santana Lopes, foi lavrado um Decreto-Lei que "ENTERROU" o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, erguido e fundado precisamente por Mário Silva. Em 2005, o dito Decreto foi promulgado por Sua Exa. o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, já com o Governo demissionário. Disse "enterrou" porque o Museu, hoje, está no limbo, tipo morto-vivo, sem que haja coragem para o fechar de vez. Seremos, provavelmente, o primeiro país do mundo a mandar fechar um Museu Nacional dedicado à Ciência. Que podemos nós dizer a não ser "estamos em Portugal!"?

Referências

[1] Mário A. da Silva, Elogio da Ciência, Coimbra Editora, 1963.

[2] Eduardo Caetano, Mário Silva: Professor e De­mocrata, Coimbra Editora, 1977.

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