Eles não podem estar enganados. Nós não estamos enganados. Afinal, largando os seus lares, idos de todo o país, concentraram-se nas avenidas da capital. Não foram mil nem dois mil, foram mais de cem mil, a quase totalidade dos professores portugueses, que, revoltados, depois de indignados, marcharam em Lisboa exigindo o fim de uma política de educação ignóbil, hipócrita, onde o que efectivamente conta é a preocupação economicista. Foi uma massa humana imensa que gritou em uníssono: BASTA! Mas arrogantes e prepotentes, no melhor estilo autoritário e fascista, como se constatou com as visitas da PSP às escolas aquando da primeira manifestação, em Março deste ano, fazendo tábua rasa da opinião da maioria esmagadora dos professores, ministra e governo continuam intransigentes e autistas. Democracia? Faço votos para que a democracia se faça. Que os professores não esmoreçam e levem a sua luta justa até ao fim. À greve por tempo ilimitado, se tiver que ser, na defesa da razão que lhes assiste. Neles se começa a vislumbrar o papel que os operários tiveram no início do século passado, na defesa da dignidade de quem trabalha. É também a incompetência que tem que ser banida da governação de Portugal. Realmente, se dignidade existisse na política, a actual Ministra da Educação só teria uma saída. A demissão. Mas como quem está por detrás desta reforma maquiavélica, protegendo sistematicamente a ministra, é com certeza o próprio primeiro-ministro, também a demissão lhe deveria ser extensível. Ambos enveredaram por uma cruzada e perseguição aos professores que só conseguimos explicar recorrendo à Psicologia. O problema, e que é um enorme problema, de facto, é que nos dias que correm, dignidade é valor que não conta. É até valor a combater. Daí a revolta dos professores, a revolta daqueles a quem a sociedade incumbe de transmitir conhecimento às gerações do futuro, que lutam, precisamente, pela dignidade que lhes roubaram. Está tudo interligado. Hoje, não presta quem conhecimento tem. Presta, isso sim, quem só dinheiro tem! Mas afinal que sociedade é esta? Em que sociedade vivemos nós? Estaremos nós a entrar numa nova idade das trevas? Numa espécie de idade média pós-moderna? Será que só evoluímos se tivermos que retroceder socialmente, para que através de revoluções cíclicas reconquistarmos os valores que se perdem sistematicamente pelo caminho? Serão assim os valores da justiça, da igualdade, da liberdade, da solidariedade, tão voláteis, que uma vez conquistados, logo tendem a ser perdidos? É a dialéctica a dizer presente? Como o professor Ilídio Sardoeira bem lembrou, há muitos anos, num magnífico discurso na Assembleia da Republica, e que os actuais responsáveis políticos não percebem, nem querem perceber: a escola é o espelho da sociedade; esta não transforma aquela, reprodu-la.
Assistindo ao falhanço dos nossos políticos em promover sociedades mais justas e solidárias, os professores tornaram-se assim no bode expiatório de uma sociedade doente. Se tivermos em conta o que, verdadeiramente, se passa nas nossas escolas e as políticas que se querem impor, facilmente concluiremos que os professores são, ao contrário, autênticos heróis. O que está em causa no grito dos professores é toda a injustiça de que têm sido vítimas. Mais do que combaterem um processo de avaliação de desempenho vergonhoso, que os inunda com papelada burocrática sem-fim, afastando-os, por esse meio, daquilo que verdadeiramente gostam de fazer, e que todos queremos que eles cumpram escrupulosamente, ou seja, o preparar e dar aulas, é toda a injustiça que lhes foi criada na progressão das carreiras. Isto sem falar que muitos deles viram anos de serviço serem-lhes, literalmente, roubados para esse efeito. Pior. Racharam ao meio a carreira, dividindo-os em professores de primeira e de segunda, sem se saber em qual das duas se incluem, efectivamente, os melhores. Porque, efectivamente, um professor que prossiga os seus estudos, concluindo um mestrado ou um doutoramento, em termos de carreira, em praticamente nada é beneficiado. Como pode ser isto possível? Alguém pode assim compreender esta confusão? Mas ainda pior. Atiram-se uns contra os outros, impondo-se-lhes cotas ridículas para a progressão, premiando-se o seguidista politiqueiro em detrimento do mestre-escola. Uma verdadeira pouca vergonha que, mais do que a demissão imediata, deveria punir com cadeia os mentores de tal afronta. Foram rios de dinheiro desbaratados em anos de uma política saloia e estúpida que todos estamos e vamos pagar. Porque não se avalia, em primeiro lugar, a competência, ou melhor, a incompetência desses responsáveis? Afinal, de educação já eles demonstraram à saciedade que não percebem absolutamente nada. Não percebem que a excelência no ser professor se conquista por via de lições magistrais proferidas, no fazer "escola", no transmitir o saber pensar e o saber fazer. Isto exige da parte dos docentes horas e horas de trabalho de casa, de campo, ou qualquer outro lugar onde, em harmonia, o docente possa verdadeiramente estudar, concentrar-se e meditar na melhor forma de transmitir o conhecimento na aula seguinte. Será que eles percebem o que eu digo? Julgo que não!
As maiores realizações da inteligência humana foram sempre conseguidas quando o homem conquistou o direito ao livre pensar. Também não foi à toa que Bernardino Machado escreveu: na Universidade deve aprender-se de tudo, sobretudo a liberdade. O desenvolvimento da Filosofia na Grécia antiga, e o conhecimento que o Homem adquiriu naqueles tempos magníficos, sem paralelo na sua História, dos pré-socráticos das diferentes Escolas, de Tales a Pitágoras, passando por Demócrito, o atomista, a Sócrates e a Platão, na sua Academia, que tudo questionavam, passando pelos sofistas, até ao advento da própria Ciência com Aristóteles e à escola peripatética que se lhe seguiu, só foi possível pela verdadeira liberdade que a sociedade grega concedeu ao espírito humano. E não nos referimos à liberdade do voto da democracia balofa da nossa civilização actual, que se esgota na urna. Por muito menos combateu Platão a democracia grega. Com muitos defeitos, os gregos inventaram uma democracia que jamais o homem pôde tornar a reviver. Infelizmente. A sociedade actual, acorrentando o homem numa amálgama de valores ocos, absurdos até, do consumismo pornográfico ao egoísmo hediondo, obrigando-o a sobreviver numa selva de betão armado, alimenta-se da sua própria alma. Somente neste contexto se compreende que surjam governantes obtusos e arrogantes, quais populistas medíocres, que negam os ensinamentos dos gregos, espezinhando-os e trucidando-os, para júbilo da populaça inculta, que das bancadas assiste impávida à chacina da educação na arena da hipocrisia. A profissão maior da Grécia antiga, a do mestre transmissor de conhecimento, tem sido transformada, lentamente, pela nossa actual "democracia", numa não profissão, em qualquer coisa indigna, da qual todos querem fugir. A dignidade de outros tempos, inclusive aquela que gozou no tempo do Estado Novo, num regime que pugnou pela educação das elites e pelo analfabetismo do povo, tem sido, literalmente, consumida e, pior, ridicularizada aos olhos de todos. A nossa actual democracia, adulterada com os valores da actual sociedade globalizada, presta vassalagem ao superficial, ao facilitismo e à estupidez. Outrora, Diógenes, o cínico, caminhava à luz do dia de candeia acesa pelo meio da multidão, procurando incansavelmente um "homem verdadeiramente virtuoso". Hoje, muitos séculos volvidos, nem Diógenes poderiam sequer existir. Não há nem deixam que haja sabedoria para tal.
Termino fazendo votos para que os professores levem até às últimas consequências a sua justa luta. Porque o que verdadeiramente está em jogo é o futuro de Portugal.
4 comentários:
A nossa actual democracia, adulterada com os valores da actual sociedade globalizada, presta vassalagem ao superficial, ao facilitismo e à estupidez...
Concordo plenamente com essa ideia, e acho que não é para isso que se fizeram revoluções, e que lutaram os nosos predecessores.
As políticas acutais estão a mostrar em que pântanos insalubres nos mergulharam os dirigentes malucos deste mundo actual, de Barroso a Sarkosi passando por Bush e Socrates... A sociedade do consumo assim organizada não presta. E a escola que querem fabricar tbm não.
Oxalá o novo Presidente Obama nos USA saiba mudar o rumo de tudo isso.
Danielle Foucaut Dinis
Olá.
Recebi um e-mail com este seu pos muito bem escrito e fundamentado.
Obrigado pelo seu tabalho e por dignificar a nossa profissão, que em tempos, foi também denegrida pelos próprios professores.
Não vou ter tempo para ler o texto que refere sobre Ilidio Sardoeira, mas prometo que, logo à noite, depois das minhas aulas voltarei para ler esse discurso.
Acho que devemos sim senhor lutar, pacificamente pela nosso trabalho, pela construção de um sociedade com valores, que não exitem, enm todo o lado, inclusivamente nos nossos alunos.
Um abraço.
PS.: Voltarei para humildemente comentar o seu pos.
Como professora agradeço as palavras de apoio mas,acima de tudo, a visão bem fundamentada que manifestou no texto que escreveu. È que, infelizmente, há por aí muito quem escreva sobre uma realidade da qual não tem a mínima noção. Neste país todos se acham no direito de opinar e dar receitas sobre assuntos dos quais nada percebem. Basta ler Emídio Rangel para se perceber o que pretendo dizer! Já não há vergonha...Obrigada pelas suas palavras!
Recebi mail e cá vim ler o seu texto. Compreendeu os problemas principais que se nos estão a colocar. E não apenas aos professores mas a uma sociedade em crise profunda e com governantes "desnorteados".
Cá voltarei.
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