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24/04/08

A Mais Bela História de Futebol...

A Primeira equipa de futebol de Vide, Agosto de 1938
Primeira fila: António Batista, Cristiano Pacheco, Joaquim Lopes, José Brito, Augusto Lopes. Segunda fila: Carlos Nobre, Ovídio Batista, António Matias. Terceira fila: José Gonçalves, João de Brito, José Matias, Américo Amaro, Victor Ribeiro.
A Vide é uma bonita aldeia beirã, localizada no vale da ribeira de Âlvoco, encurralada entre as serras da Estrela e do Açor. A equipa de futebol de Vide, do qual o meu pai fez parte, realizou o seu primeiro jogo oficial, com a equipa de S. Gião, no seu campo, localizado no alto dos Atoleiros, no mês de Agosto de 1938. Aqui fica esta deliciosa história sobre futebol, quiçá a mais espectacular de todas.
...A equipa de Vide foi constituída nas férias de Verão e treinada, inicialmente, com bolas de trapos, no Largo da Ponte, em terra batida. Os jogadores partiram para o campo dos Atoleiros, sob o calor de Verão. O apoio material, equipamento, bola e tintura de iodo (oferecido pelo João Farmácias), estava a cargo do Victor da Venda. A claque de apoio estava bem representada pelo Zé Matias que, ao longo do jogo, saltava e gritava para incutir ânimo e frescura aos jogadores. Iniciaram o desafio, cansado e suados, pela caminhada a pé, no pino do Sol, de Vide aos Atoleiros (uma estirada que só visto).
Pelo contrário, os jogadores da equipa de S. Gião apareceram frescos e bem equipados à “Benfica”. Atrás dos jogadores uma comprida fila de apoiantes, homens, mulheres e crianças. Vista de cima, ao alto dos Atoleiros, a fila parecia uma procissão, com opas vermelhas à frente.
No início do jogo, o defesa Augusto, já alinhado no campo, com os restantes jogadores, desata a correr em direcção ao árbitro, com gestos agressivos.
- Ó Augusto, o que se passa?
- Que anda este gajo a fazer com um apito na boca?
Responde ainda ameaçador.
Esclarecido e acalmado, o Augusto retoma o seu lugar no campo.
A equipa de S. Gião, ajudada pela frescura, dominava o jogo, no início. O Augusto e o Cristiano Pacheco aguentavam bem a genica dos jogadores contrários. O João Alfaiate, na baliza, dava confiança à equipa. A certa altura do jogo, a boina espanhola do Cristiano, sempre enfiada na cabeça, foge-lhe. O Cristiano pára e o jogador de S. Gião ultrapassa-o com ganas para marcar o golo.
- Cristiano, deixa a boina!
Gritaram os companheiros.
Pernalta e com passadas largas, apanha o adversário, passa-lhe uma rasteira e aplica-lhe a devida canelada. Naquele tempo, os jogadores de Vide, já praticavam as “boas regras de futebol”. Como hoje, aliás, se praticam. O jogador de S. Gião, estatelado no chão, com a barriga para baixo, berrava com palavras “bem à portuguesa”, de sacana para cima. Insultos, aliás óbvios, que se perdiam na paisagem agreste e indiferente aos Atoleiros, de pinheiros e tojos.
A linha avançada de Vide, com o seu último fôlego, marca o golo da confirmação da vitória. Foi o fim do mundo. Os apoiantes de S. Gião revoltaram-se. Quando estavam para invadir o campo, para agredir os jogadores de Vide, ouviram-se dois tiros. Todos os jogadores pararam. A assistência ficou silenciosa e pasmada.
O Gato Negro de Alvoco, apoiante e defensor físico da equipa de Vide, destaca-se alto e ameaçador, com uma pistola na mão levantada:
- Se alguém bater nos de Vide! Mato o primeiro!
Avisa com firmeza.
Foi a debandada dos apoiantes de S. Gião. Era vê-los a correr pela encosta abaixo, sem olhar para atrás.
Terminado o jogo, todos os jogadores de Vide, agarraram-se uns aos outros, aos abraços e beijos, como uma ninhada de crianças alegres e felizes.
No regresso a Vide, entraram a cantar:
"Malta, malta, malta
Atenção
Ganhamos por dois a zero
Aos de S. Gião."
A morte já levou quase todos estes jogadores da primeira equipa de futebol de Vide. Aos que ainda vivem, a emoção ao recordá-los, neste momento, não recusa lágrimas. Emoção sentida, como o abraço medido na distância de Vide aos Atoleiros, mas, também, com uma imensa largura, medida na saudade desse Verão.
Na realidade o autor deste texto, meu pai, foi o último Gavroche e faleceu a 11 de Junho de 2oo7.
Bem-hajas!

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