Uma explicação para a crise que atravessamos, com base na situação portuguesa.
Parece-me que o diagnóstico, feito por Medina Carreira relativamente ao Estado Social, não só em Portugal, mas em toda a Europa, é correcto. É verdade que o actual modelo nascido no pós-guerra, alicerçado nos valores da social-democracia e no apogeu da Revolução Industrial, tinha como sustentáculo os três critérios enunciados, ou seja, o pleno emprego, o crescimento económico e o equilíbrio demográfico. Neste momento, como todos constatamos, a Civilização Ocidental assiste ao desmoronamento daquele sistema económico e daqueles critérios, o que põe em causa a sustentabilidade do modelo social europeu que chegou, felizmente, até aos nossos dias. No entanto, antes de anunciarmos a morte do Estado Social, como profetiza Medina Carreira, há outros factores que devem ser equacionados e que adiante precisarei. Note-se que a Europa Social nunca se fez na plenitude com que os “velhos” defensores da EU desejariam. Pena que Mário Soares seja hoje uma voz isolada no contexto europeu. Efectivamente, a Europa Social foi sempre a parente pobre da Europa Económica e Financeira, na qual a actual política monetária do Euro se desenvolveu. Neste contexto, podemos até dizer que o povo português “apenas vislumbrou” o Estado Social, pois só após o 25 de Abril, e com a instauração da Democracia em Portugal, foi possível efectuar as reformas necessárias que levaram à sua implementação, enquanto os povos europeus já viviam o seu apogeu. O que ninguém pode negar, a não ser se estiver de profunda má fé, foi o altíssimo nível de desenvolvimento económico-social que estas reformas trouxeram a Portugal que, no 25 de Abril, era um país agrícola e analfabeto, com um atraso secular face aos seus parceiros europeus. É preciso não esquecer. Encurtámos a distância, é certo, mas nunca alcançámos o nível dos países do norte da Europa. Países que num passado não muito longínquo foram muito mais pobres que Portugal, como a Suécia e a Finlândia no início do século passado. Assim, se eles conseguiram atingir os padrões sociais que hoje invejamos, também nós poderemos alcançá-los. Só depende de nós. Não podemos deitar tudo a perder.
Lamentável é esta corrente de opinião que tem invadido os media e os governos europeus, que pessoalmente me enoja e revolta, e que tem vindo a destruir lentamente este objectivo de bem-estar comum a que chamamos de Estado Social. Há também, felizmente, muitas vozes contra esta visão, aqui, ali . Outros culpam o Estado Social da falta de poupança dos portugueses, quando na realidade estes nunca tiveram salários que os permitissem dar-se a esse luxo. Forma exagerada, mas sempre que algum bem-estar foi adquirido, nomeadamente em termos salariais, logo o vinham roubar. Esta tem sido a dura realidade do português que se sente em crise desde sempre. E sempre a piorar. Mas hoje chegámos ao fim da linha e, ao contrário do que se pensa, temos motivos ideológicos muito fortes pelos quais temos novamente que combater. Pelo bem-estar que nos proporcionou e proporciona, podemos dizer que o Estado Social é uma coisa boa e, portanto, deve ser defendido. Só assim, efectivamente, poderemos ter cidadãos livres e solidários. Só assim poderemos ter Educação de qualidade para todos, sem excepção, sem discriminar credo, raça ou condição social. O mesmo relativamente à Saúde e à Justiça. No mundo Ocidental este Estado Social pode muito bem conviver com as instituições privadas para quem as possa pagar. Nada o impede. É assim que tem sido, é assim que deve continuar. Não sejam egoístas trauliteiros, mentirosos e manipuladores. Muitos de vós parasitaram o Estado, sugando o dinheiro dos contribuintes que deveria ter ido para pagar os serviços nobres prestados pelo Estado. Não mintam. Não foi o Estado Social que nos colocou à beira da insolvência. Foi a corrupção, a utilização indevida dos recursos públicos e a má gestão da coisa pública que nos conduziram a esta situação. E não assobiem para o lado. A culpa foi vossa! Neste contexto, também são intoleráveis as análises deturpadas dos actuais governantes. Hoje, lamentavelmente, vemos uma imensa corrente de opinião, ao serviço do neoliberalismo vigente, muita juventude sem cultura e memória histórica, que confunde má governação, de governos auto-intitulados de socialistas democráticos, com os malefícios do Estado Social, atribuindo a culpa a este dos erros dos primeiros. Infelizmente, o anterior governo de José Sócrates deu azo a que esta confusão se instalasse. Hoje, ouvimos slogans do género, “temos vivido acima das nossas possibilidades (e a culpa é do Estado Social)”, “ temos de empobrecer (por causa do Estado Social)”, “o actual Estado Social é insustentável”, “isto marca o fim de um modelo de desenvolvimento (leia-se do Estado Social)”, etc. Slogans de quem tem um ódio visceral à social-democracia e ao bem comum. Inconfessado, é certo. Como pode o assalariado português viver acima das suas possibilidades, com base nos salários miseráveis que recebe?! Gente egoísta que só pensa em si e nos seus. Gente que está disposta a fazer recuar a civilização. Gente que não é solidária, que não quer partilhar, que só pensa no seu bem-estar e dos seus, pisando o próximo para o conseguir se preciso for. Isto aconteceu no passado e foram precisos séculos de lutas sociais para desmontar estes tradicionais egoísmos e ganâncias pessoais. Foi este tipo de gente que deu origem ao fascismo primeiro, e ao nazismo depois. Duas criações europeias pré-união. Não podemos deixar que ideologias semelhantes se repitam no futuro, regredindo-se civilizacionalmente. Não podemos caminhar novamente para uma nova época pós-moderna neo-medieval, em última estância. Porque é para aí que caminharemos se o neoliberalismo actual, que aplaude o capitalismo selvagem e a desregulação dos mercados vividos nos nossos dias, prevalecer como ideologia política. Aqueles cenários catastróficos para a humanidade, estão, infelizmente, à nossa frente e mais próximos do que se possa pensar. Não nos esqueçamos que a actual crise teve o seu epicentro precisamente na desregulação dos mercados que aquela defende. Como explicar aos trabalhadores honestos da União Europeia, que pagam os seus impostos e vêem os seus rendimentos drasticamente reduzidos, que os grandes interesses económico-financeiros, as grandes fortunas, podem usar e abusar dos offshores no estrangeiro, para onde transferem valores incalculáveis, superiores às dívidas dos estados, única e exclusivamente para fugirem aos impostos. Pior. Existem produtos financeiros legais (CDS - Credit Default Swap) nos mercados actuais em que o especulador, seja ele quem for, pode investir (jogar) (no mínimo em pacotes de 10 MILHÕES de $) na probabilidade da falência de empresas e, pasme-se, dos próprios Estados. Isto é absolutamente insuportável e intolerável. Mas pior ainda. Quando esse dinheiro, nesses offshores, se mistura com o proveniente do tráfico de influências, de droga, de armas, de seres humanos, numa palavra, com o proveniente da canalhice e da imundice humanas, ou seja, com o mal. Como pode o cidadão comum entender que este estratagema é LEGAL aos olhos das instituições nacionais e europeias? Como aceitar que os funcionários públicos e pensionistas portugueses, e não só, percam cerca de 30% do seu salário em dois anos quando o governo que o decreta, contra a lei e o Estado de Direito, diga-se, se limita a aumentar a taxação destas transferências LEGAIS, desta pouca-vergonha, de 21% para 30%? E o estratagema é usado por privados e empresas! Muitas delas, por exemplo a maioria das cotadas no PSI 20, têm as próprias sedes FORA do território nacional para fugir ao fisco. No ano passado, os quatro maiores bancos privados tiveram 4,1 milhões de lucros por dia! A PT teve um aumento do lucro de 1407% e, como também é sabido, distribuiu 1.500 milhões aos seus accionistas, não pagando impostos, por ter antecipado esta distribuição. A Brisa aumentou os seus lucros em 282% (usura!), a Galp em 50% (usura!), a Portucel em 112%, a Jerónimo Martins em 40%. Fantástico! As maiores empresas cotadas no PSI 20, excluindo a Mota-Engil e a Sonae SGPS, atingiram lucros de quase 3.500 milhões de euros, reflectindo um aumento de quase 40%. Estas empresas lucraram em média 13 milhões de euros por dia. O problema é que isto não se reflectiu no IRC cobrado pelo Estado. UMA POUCA-VERGONHA! Perante este cenário, como justificar o corte absurdo, usurário, mentiroso e ilegal dos salários e das pensões? Ainda por cima num país aonde os salários são dignos dos países do terceiro mundo? Subsídios que resultaram de uma ampla concertação social e que, indirectamente, era um estímulo ao comércio na época do Natal e ao turismo na época de férias. São sectores que irão sofrer com as estúpidas medidas deste governo. Que irá criar uma recessão enorme, falta de receitas fiscais para o Estado, mais austeridade, e assim sucessivamente. Como entender então toda esta hipocrisia e toda esta corrupção, esta promiscuidade entre política e interesses financeiros? Estamos efectivamente a chegar ao fim da linha. Mas, ao contrário do que os actuais governantes gostam de dizer, não é só o fim do Estado Social, cujo fim tanto desejam mas não confessam, que está em causa. Estão muito enganados. E as tropelias, as malabarices e os estratagemas cair-lhes-ão em cima. É muito provável que o Estado de Direito caia primeiro. Estado de Direito que o actual governo “democrático” já nem sequer quer saber se lhe passa ou não por cima. O povo tem um limite para suportar toda esta iniquidade e injustiça. Por isso, corremos riscos elevadíssimos de tumultos e convulsões sociais nunca vistas. A consequência, previsível, é assistirmos ao retorno de governos totalitários, que tanto mal fizeram à humanidade no passado. Os nossos actuais políticos, de visão estreita, estão a levar-nos nessa direcção. Esperemos que arrepiem caminho, que sejam postos na rua a tempo, ou o nosso futuro colectivo será negro. Se nas razões apontadas encontramos explicações para o problema financeiro, generalizado, o problema económico, com ele relacionado, tem uma causa diferente, que adiante tentaremos explicar. Mas antes, só mais duas palavras sobre a mediocridade da democracia e da política portuguesa actual.
Efectivamente, são os mercados que hoje ditam as regras, que nomeiam e saneiam os políticos e os governantes. Vivemos, insisto, numa oligarquia travestida de democracia. O actual governo PPD-PP português é, neste contexto, paradigmático. Chamar estes partidos de sociais-democratas ou democratas cristãos é ultrajar a memória de pessoas como Sá Carneiro ou Adelino Amaro da Costa, seus fundadores. Os actuais políticos são completamente subservientes aos ditames dos mercados. E isto é intolerável. As oligarquias são formas de governo primárias e injustas que já os antigos gregos repudiavam. Hoje vivemos numa democracia corrompida. Os partidos são entidades fechadas e antidemocráticas ao serviço dos interesses económicos. Assim, vivemos, na realidade, numa oligarquia travestida de democracia. Esta tem sido muito bem manipulada, esgotando-se nas urnas de 4 em 4 anos, durando, quanto muito, o segundo da deposição do voto na urna. Os parlamentos e os governos formam-se hoje com base numa opinião pública desinformada, completamente manietada pelos media ao serviço dos interesses instalados. Repare-se que são eleitos com taxas de abstenção absurdas, devido à desistência, à impotência que os cidadãos sentem para mudar a classe política que se lhes apresenta. A muitos é-lhes mesmo incutida a ausência de alternativas, promovendo-se o voto nos mesmos de sempre com o argumento, estúpido, mas que conseguem fazer vingar, que só eles são credíveis. Todos os outros não têm credibilidade, pelo simples facto de não partilharem da sua “lixeira”. Não podemos deixar que esta nova classe política “eleita”, que dizendo-se social-democrata, defende e presta vassalagem ao actual movimento neoliberal mundial que, na realidade, foi o principal causador do colapso das economias ocidentais, venha de mansinho destruir agora o pequeno Estado Social português. Neste sentido, prestando vassalagem aos santificados mercados, os malefícios que causarem a Portugal no futuro, onde se destaca o já anunciado empobrecimento à força dos portugueses e a destruição do seu Estado Social, deverão ser devidamente castigados. E o castigo deverá ser aplicado exemplarmente, pois estes decisores políticos foram devidamente avisados das consequências das suas políticas. São governantes que olham para a economia e para as finanças como um fim em si mesmo, quando o verdadeiro sentido de estado de qualquer político que se preze seria pô-las ao serviço do bem-estar da população, diga-se Estado Social, lutando contra as imposições de ditaduras económico-financeiras, venham elas de onde vierem. O nosso primeiro-ministro, para além de um autêntico embaixador do eixo franco-alemão, é ainda pior do que este no que se refere à defesa dos que o elegeram. É o que se pode chamar de um “troikano” dos quatro costados, que adora tirar aos pobres para dar aos ricos. Hoje, os “troikanos” nem se coíbem de vir para as televisões públicas portuguesas dar entrevistas, dizendo-nos o que nós portugueses temos ou não que fazer. Provavelmente incentivados pelo governo que, inchado com a nota positiva da troika (pudera), deve ter insistido para que estes senhores dessem uma “ajudinha” para calar a contestação, justíssima, da opinião pública portuguesa. Note-se que relativamente à dívida soberana, que está no cerne da crise portuguesa e dos países periféricos da Europa, nem sequer a maior parte dela foi feita em nome dos povos. Porque não fazem, nem querem fazer, uma auditoria à dívida portuguesa? Qualquer pessoa informada percebe que a maior parte dela é odiosa e, como tal, não é da responsabilidade do povo português o seu pagamento. Mas, na defesa dos valores que defendem, os actuais governantes começam a evidenciar um autoritarismo deveras preocupante. Esperemos, também, que não estejamos a vislumbrar um novo Salazar. Os tiques e as semelhanças começam a ser irritantemente evidentes!
Mas, o mais importante, acima de tudo, é não deixarmos que todo o trabalho das gerações anteriores, que nos legou o actual nível de bem-estar e prosperidade, nos seja roubado com base argumentos estúpidos e mentirosos. O nível de impostos que pagamos chega e sobra para pagar um Estado Social bem melhor do que aquele a que temos tido direito. Parece mentira, mas esta é a pura das verdades. Este deve ser melhorado, nunca destruído. Não se deixem enganar pelos profetas da desgraça que dizem o contrário. O principal problema, é que o Estado tem andado a desbaratar o dinheiro dos contribuintes na satisfação de interesses privados obscuros, em vez de o aplicar na Educação, na Saúde, na Justiça e na Segurança e Defesa dos cidadãos. Muitos dos arautos da desgraça, que têm bradado aos quatro ventos contra o Estado Social, têm sido os principais beneficiários do Estado, que nos últimos anos tem sido, infelizmente, gerido por pessoas que só tiveram como preocupação principal o seu próprio enriquecimento. Muitos casos são casos de polícia, que a justiça deve julgar e condenar. Não confundamos, portanto, a árvore com a floresta.
Como aceitar agora, tão pouco tempo volvido, que afinal o povo português não tem direito ao nível de bem-estar económico e social que alcançou com o seu Estado Social? “Pois tem vivido acima das suas possibilidades”… Que temos, inexoravelmente, de perder quase tudo o que alcançámos, de regredir, não diria para antes do 25 de Abril, mas, a deduzir pelas palavras de Medina Carreira, para o Século XIX ou mesmo antes? (vd. programa Olhos nos Olhos da TVI24 da semana passada (7/11/2012)) Será isto possível, à luz do nível de desenvolvimento tecnológico e científico alcançado? Não haverá aqui um paradoxo terrível? Afinal, perguntamos nós, não temos também que olhar à riqueza que é hoje produzida e como ela é distribuída? Em vez de comparamos “tout court” os números sobre a demografia nos anos 60 com os de hoje, sem mais, para justificarmos o caminho, sem saída, para o fim das reformas no dia de amanhã, depois de termos descontado toda uma vida? Isto é completamente incompreensível e inaceitável. Absurdo! Neste sentido, Medina Carreira, que acertou nas consequências do desnorte governativo do anterior governo de Sócrates, arroga-se agora, por esse motivo, no direito de encher a boca de baboseiras e de nos deprimir com a falta de soluções para o Estado Social. Desculpe-me, Dr. Medina Carreira, mas o senhor na linguagem camoniana é um autêntico “Velho do Restelo”! E ao serviço dos mesmos interesses que movem os que hoje estão à frente dos destinos da nação. Este senhor caricaturou a Constituição Portuguesa ao dizer que a jornalista, Judite de Sousa, com certeza iria ficar muito entediada se fosse jantar fora com ela (sic). Sem palavras!
No entanto, são estas ideias pacóvias que querem inculcar no povo português. Tradicionalmente passivo, o povo português dá mostras de entrar num estado de apatia generalizado, a caminho da idiotice que conduz ao fim das democracias. Porquê? Se toda esta conversa é tendenciosa e falaciosa? Não porque Medina Carreira não esteja certo no diagnóstico, não. Inclusivamente, que vivemos mesmo o fim de uma Era. Não o fim da Era Industrial, como defende Medina Carreira, que está cristalizado no tempo. De acordo com um dos maiores sociólogos do nosso tempo, Alvin Toffler, a Era Industrial (2ª vaga) terminou nos anos 70! Hoje assistimos ao fim da sua sucedânea, à qual Toffler chamou de Revolução da Informação (3ª vaga), que se iniciou nos anos 80. A primeira foi a Revolução Agrícola (1ª vaga), há milhares de anos. Parece que o ritmo da evolução humana acelerou para níveis jamais vistos. Segundo Toffler, estamos a entrar numa 4ª Era civilizacional (4ª vaga), de toda a história da humanidade, à qual Toffler designa por Bioeconomia e que se caracterizará por “mudanças caóticas no mundo”. A ser verdade, assistimos na nossa vida ao nascimento e à morte de uma Era. Isto era impensável há muito pouco tempo, tendo em conta a duração das Eras anteriores. Na realidade estamos perante novos paradigmas e desafios que necessitam de respostas diferentes das que têm sido dadas. O que não podemos deixar que aconteça são as profecias negras de Medina Carreira e, como base nelas, permitirmos que meninos armados em políticos nos queiram meter pelos olhos adentro as políticas medíocres defendidas pelos neoliberais que, como disse e repito, têm levado Portugal e a Europa no caminho da desgraça. Por alguma razão já Platão defendia que os somente os anciãos mais sábios poderiam ter o direito de governar a polis. Esta é a verdade que temos que divulgar e estas são as políticas que temos que combater. Jamais apoiar! A não ser que procuremos mesmo o caos social e político.
Mas o que é lamentável no discurso de Medina Carreira, e da fraca argumentação de quem o entrevistava e acompanhava, é a sua desonestidade intelectual. Fala de fim de modelos económicos, dos critérios que os suportam, mas não fala das verdadeiras causas que estão por detrás desta crise nem, tão-pouco, dada a gravidade da situação, aponte qualquer solução plausível para a sua resolução. Ou melhor, as medidas que aponta, que são as mesmas que o actual governo insiste em prosseguir, são de uma simplicidade confrangedora. Se o Estado Social acarreta muita despesa, a solução é muito simples. Destrói-se o Estado Social. Ponto final. Isto é de uma estupidez insuportável. Isto é de uma leviandade indescritível. O que infelizmente esta gente não percebe, lamentavelmente, é que o segredo para evitar o caos e o desnorte induzidos pelos novos desafios económico-financeiros decorrentes do dealbar da nova “Era Bioeconómica”, mantendo a coesão social e o bem-estar de todos, é precisamente o Estado Social. Querem matar precisamente o que deveriam defender. A ganância é o valor que, no fundo, está por detrás dos seus intentos.
Infelizmente, o modelo social europeu nunca viu a luz do dia. A Europa Social nunca foi uma realidade, pois foi sempre uma vítima de decisões políticas erradas e terroristas preconizadas pelo directório europeu. Na realidade, o Estado Social sempre foi uma bandeira da social-democracia europeia que, infelizmente, foi sendo banida das decisões europeias. As causas do definhar da social-democracia europeia provêm da queda do muro de Berlim. Muitos políticos europeus tiraram dividendos políticos acenando com o “fim do socialismo”, nunca dizendo “fim do comunismo”. Cavaco Silva foi exemplar em Portugal. Por esse motivo, o socialismo democrático europeu ou a social-democracia europeia que diziam, hipocritamente, defender, foi sendo estigmatizada aos olhos do eleitorado europeu. A partir daqui, a direita europeia foi crescendo e tomando o espaço dos partidos de centro-esquerda, desenvolvendo-se, sempre na direcção dos valores mais conservadores que entroncam no ideal liberal do passado. Não esqueçamos que, há poucos anos, ser democrata cristão era ser de centro-direita. Hoje, como se constata em Portugal, muitos desses políticos refugiam-se no PS. É o caso, por exemplo, de Freitas do Amaral ou Basílio Horta. Os políticos responsáveis pelo PPD e PP deveriam ter vergonha quando falam em social-democracia ou democracia cristã. Eu acho que eles nem nisso falam. Limitam-se a usar o partido. Nem o episcopado português, tradicionalmente próximo das ideias da direita, parece hoje apoiar as políticas defendidas por estes partidos. É a extrema direita travestida que aí está. Esperemos que os cidadãos portugueses abram bem os olhos.
O Estado Social é, por assim dizer, o que resta do bom legado da social-democracia. É um último bastião que a direita quer a todo o custo derrubar. As desculpas para o fazer apareceram aí embrulhadas num auto-proclamado memorando da troika que o povo português nunca legitimou. Sendo uma construção da esquerda europeia, nunca foi compreendido, nem aceite, pela direita que hoje manda em Portugal, na Europa e no mundo. Por esse motivo é um alvo a abater. Ao contrário do que apregoam, justificando as suas medidas mesquinhas e execráveis, não é por causa do Estado Social que estamos nesta situação. Ele tem sido, no fundo, uma vítima do sistema capitalista selvagem que os partidos, que estão hoje no poder em Portugal, e na Europa, defendem até exaustão, sem, contudo, terem a coragem de o assumir publicamente. A não ser os seus escroques. E explico porquê.
Afinal, quais são as verdadeiras causas do problema e da actual crise em que vivemos? No programa Olhos nos Olhos de Judite de Sousa da semana passada, que já referimos, a sua convidada, uma conceituada demógrafa e Medina Carreira, falaram delas sem mostrarem tê-las compreendido perfeitamente. Porque se forem bem compreendidas, poderemos adoptar as medidas necessárias para a sua resolução. Haja vontade política para as tomar. E é aqui que reside o verdadeiro problema. Não existe vontade política para o fazer, porque essas medidas passariam por afrontar os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, europeus e mundiais. E, em última análise, são estes que controlam as decisões políticas. O sistema político está subvertido. Noutros programas televisivos, como os Prós e Contras da mesma semana, aquelas causas nem sequer foram referidas. E falavam sobre a crise grega e do euro. Vejamos aonde estão as verdadeiras causas do problema, para além da já bem conhecida desregulação dos mercados, que conduziu à crise do “subprime” americano e despoletou a crise financeira mundial. Depois de nacionalizarem os prejuízos, que todos estamos a pagar, os bancos, as seguradoras e os grupos financeiros foram recapitalizados. Os ditos mercados foram salvos para, pouco tempo depois, começarem a morder na mão de quem os salvou. Mas a crise não se explica só por este motivo. A crise é bem mais profunda, por ser política.
Na minha opinião, a actual crise teve o seu início no processo de globalização e da liberalização do comércio mundial nos anos noventa. Houve muita gente que na altura alertou para as consequências das decisões então tomadas e para os fenómenos que hoje estamos a viver. Houve até muita contestação aquando das reuniões do G7, na altura, e da Organização Mundial do Comércio onde estas decisões foram tomadas. Não percebo como um problema tão sério, e com as consequências a que estamos a assistir, nunca tenha sido desmascarado com o intuito de exigir aos governos europeus a inversão das políticas que nos trouxeram até aqui. Elas estão muito bem explicadas na minha mensagem “Crise Económica ou Crise Política?”, escrita no dia 24 de Setembro de 2008. Não sou profeta, mas o que então escrevi continua mais actual do que nunca e, para mal dos nossos pecados, as preocupações que tinha então começam hoje a ser uma realidade. Assim, para poupar tempo, deixem-me transcrever o que disse então:
“A crise económica actual, provocada pela crise financeira que nasceu a partir do chamado “subprime” nos Estados Unidos da América (EUA), uma espécie de crédito imobiliário de alto risco generalizado que se descontrolou, alimentada igualmente pela crise energética especulativa, é somente um sinal de algo muito mais perturbador e inquietante: o beco sem saída em que caiu a política ocidental, principalmente a europeia. O problema não seria tão grave se a União Europeia (UE) tivesse cumprido o seu papel de regulação dos mercados, na chamada economia global, como lhe competia e como os povos europeus exigiam. No entanto, indo sucessivamente a reboque dos interesses americanos e dos grandes interesses económicos, os seus actuais responsáveis, traindo os valores da social-democracia e da democracia cristã, defendidos pelos homens que a pensaram, subjugaram o poder político ao poder económico. A chamada Europa Social foi sucessivamente adiada, dando o seu lugar à Europa do Capital.
A crise económica actual é a prova que os mercados têm que ser regulados, e intervencionados sempre que for necessário, pois o seu funcionamento não pode ser deixado ao livre arbítrio dos mesmos, ou seja, ao sabor dos caprichos e ganância dos homens. Pior. Da ganância de entidades, de organizações de grupos de homens a quem chamamos de multinacionais. O capitalismo desregulado, na chamada globalização actual, deu origem a instituições supranacionais que estão acima de qualquer política nacional, ou supranacional. Ao poder destas organizações prestam hoje vassalagem todos os governos do mundo, principalmente os dos chamados países NATO. Excepto alguns, poucos, que ousam afrontar os interesses instalados ou a deles beneficiar de forma escandalosa. Como estereótipo do primeiro grupo podemos falar do venezuelano e do segundo do chinês.
Neste panorama, à crise económica que aí está, sucederá uma catástrofe social, e política, que afectará principalmente os estados membros da União Europeia, há muito vendidos aos interesses das multinacionais. A não ser que a UE arrepie caminho rapidamente. Não se percebe como os partidos sociais-democratas europeus, com responsabilidades governativas em tantos estados membros, sendo mesmo o partido socialista maioritário no parlamento europeu (penso que já não é assim), que a política europeia actual alinhe pelo neo-liberalismo vigente, que a pôs à beira do abismo. Nada que já não tivesse acontecido no passado. Engels sempre teve razão e as teorias de Karl Marx sobre o capitalismo, a procura a todo o custo do lucro e das mais-valias, nunca fizeram tanto sentido como no mundo actual. Independentemente do rotundo fracasso das sociedades pseudo-comunistas do antigo império da ex-União Soviética (URSS). Ao comunismo desumano sucedeu o capitalismo selvagem, comandado pelas máfias das armas, da droga, da prostituição e da escravatura humana. Milagre de Fátima? Jamais, à luz dos valores que a Igreja diz defender.
Os actuais políticos europeus, politicamente analfabetos, venderam o bem-estar social da UE à globalização dos interesses das multinacionais ocidentais. Em suma: abertura dos mercados ocidentais a produtos manufacturados por empresas ocidentais com mão-de-obra escrava do oriente. Quem comanda politicamente os destinos da UE (e dos EUA) são os interesses económicos. O pior é que os políticos escrevem-no e dizem-no alto, para quem os queira ler e ouvir. Sem um pingo de vergonha sequer. Infelizmente, com alguns benefícios, é certo, como uma maior disseminação da informação, aproximando os povos e as suas culturas, a chamada globalização não é mais do que uma manobra, sem escrúpulos, das multinacionais para aumentarem os seus astronómicos lucros. Insaciáveis, estes jamais serão suficientes, a não ser que alguém faça frente aos seus interesses. Do que se trata afinal? É muito simples. Em troca do derrube das barreiras alfandegárias aos produtos produzidos nos países do oriente, principalmente na China e na Índia, podem as multinacionais europeias deslocalizarem as suas fábricas para aqueles países, onde pagam salários dez vezes inferiores aos que teriam que pagar nos países europeus de origem. Não bastando o facto de fomentarem directamente o desemprego, acarretam a imoralidade de obrigarem as pequenas e médias empresas a diminuir os salários, os benefícios sociais dos trabalhadores europeus e, em última análise, a falir, aumentando também o desemprego de forma indirecta. Para sobreviverem actualmente, as pequenas e médias empresas ocidentais são obrigadas a ter níveis de inovação absurdos. Tudo o que é de manufactura clássica não pode, sequer, ser produzido na Europa. Os seus custos tornaram-se proibitivos no Ocidente. Como podem as empresas europeias competir com as chinesas ou indianas de forma aberta, que fazem uso de mão-de-obra a roçar a escravidão? E que dizem os políticos europeus? Que é necessário flexibilizar (despedir), que é necessário inovar, que os salários têm que diminuir, que os trabalhadores têm que trabalhar mais e durante mais tempo… Ou seja, para que as multinacionais tenham os seus interesses salvaguardados, tão-só a maximização do seu lucro através do uso de mão-de-obra barata, retiram-se direitos sociais aos europeus, adquiridos durante décadas de lutas sociais árduas, infelizmente esquecidas. Não se exige aos chineses, por exemplo, que imponham lá os direitos sociais daqui, como condição primeira para o comércio livre com a UE. Não! Exige-se, isso sim, porque os mercados o exigem, que se retirem aos europeus os direitos que os chineses não têm e deveriam ter. É esta a filosofia imoral da actual direita europeia, seguida de perto pela esquerda, dita democrática. Se podemos desculpar os primeiros, pois a estupidez e a injustiça está-lhes no sangue, aos segundos teremos que os apelidar de traidores corrompidos. Uma vergonha que urge desmascarar e combater...”.
Assim, perante a teimosia de políticos e governantes, ou os povos da Europa se unem em torno de projectos de verdadeira união económica e social, numa verdadeira federação de estados com um banco central que controle a política monetária, ou o Euro e a União Europeia implodirão. Nesta nova Europa, as barreiras alfandegárias têm que ser repostas enquanto não existir uma verdadeira globalização dos direitos sociais e económicos em todo o mundo.
---------------------------------------------------------------------------------------------------
Eis o programa Olhos nos Olhos que despoletou a escrita deste artigo, que é uma resposta aos pontos de vista limitados e tendenciosos expostos neste programa que foi exibido na TVI.
24 comentários:
muito bom
Enviar um comentário