Um artigo Professor João Ruivo que todos devem ler. A par deste que em tempos escrevi. Principalmente depois da decisão absurda, tola até, do Tribunal Constitucional ao considerar inconstitucional a decisão da Assembleia da República, que tinha revogado o actual modelo de avaliação de desempenho dos docentes.
DE NOTAR QUE OS DOCENTES SÓ RECLAMAM UM SISTEMA JUSTO E FUNCIONAL DE AVALIAÇÃO. NÃO SÃO CONTRA A AVALIAÇÃO, SÃO, ISSO SIM, CONTRA AS ESTÚPIDAS MEDIDAS IMPOSTAS POR ESTE GOVERNO. E CONTRA AS QUAIS, ALIÁS, ESTÁ A MAIORIA DO POVO PORTUGUÊS, REPRESENTADO PELA MAIORIA DOS DEPUTADOS NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, QUE É O ÓRGÃO LEGITIMAMENTE ELEITO PELOS PORTUGUESES A QUEM COMPETE FAZER AS LEIS DE PORTUGAL! ISTO É ESCANDALOSO! AONDE ESTÃO AS DECISÕES DESTES SENHORES JUÍZES QUANDO OS GOVERNOS DECIDEM AUMENTOS DAS PROPINAS OU DAS TAXAS MODERADORAS, ESSAS SIM, VERDADEIRAMENTE INCONSTITUCIONAIS?
Mas afinal quem é que legisla em Portugal? O poder executivo, ou seja o Governo? Para que serve então a nossa Assembleia da República? Já agora poderia o douto tribunal mandar fechar as suas portas e poupar assim cerca de 200 milhões de euros aos bolsos dos contribuintes, em vez de andarem a roubar dinheiro a quem trabalha. Qualquer dia, se calhar, vão fazer o favor de deixar as pessoas trabalhar, gratuitamente, para o Estado.
O teimoso prosseguimento da implementação das actuais medidas de política educativa anuncia uma clara mudança de paradigma: a transição do modelo sixtie da “escola para todos”, para o modelo pós-modernista da “escola para tolos”.
A grande reforma educativa sorvida dos quentes e vibrantes anos do final da década de sessenta, consubstanciada nas filosofias do Maio de 68, apontava para uma escola aberta, universal, inclusiva, interclassista, meritocrática, solidária, promotora da cidadania e, até, niveladora, no sentido que deveria esbater as desigualdades sociais detectadas à entrada do percurso escolar.
Os professores passavam a ser mediadores da aprendizagem, promotores da socialização e do trabalho partilhado. Os alunos metamorfoseavam-se em aprendentes activos, participativos, concretizadores, co-líderes da sala de aula e do rumo a dar às planificações. Os pais, descolarizados ou iletrados, por vergonhosa opção de quatro décadas de ditadura, entregavam os seus filhos naqueles centros de promoção do sucesso social. Era a escola aberta à comunidade, uma escola moderna, que se impunha à escola tradicional. Era, enfim, a escola para todos.
Com o decorrer dos anos, os governantes, lá no alto do seu douto saber, entenderam que, já agora, os professores e a escola poderiam também cumprir uma imensidão de funções até então cometidas ao Estado, às famílias e à sociedade. Mesmo que não tivessem tido preparação para isso, os professores tinham demonstrado que sabiam desenvencilhar-se e, sobretudo, que não sabiam dizer não.
E desde então, essas passaram também a ser tarefas e funções da escola e dos seus docentes. A partir desse momento singular, passámos a ter uma escola que, por acaso, também era um local de aprendizagem formal, mas que, sobretudo, se foi desenvolvendo como um espaço de aprendizagens sociais, informais, socializadoras. E foi assim que se baralhou e se desvirtuou uma escola que, altruisticamente, queria ser para todos, transformando-a numa escola onde tudo cabia. Era a escola para tudo.
Mais recentemente (reportando-nos ao baronato de Maria de Lurdes Rodrigues e ao principado de Isabel Alçada), entendeu-se que a escola gastava muito e os professores, numa indolência secular, pouco faziam. Logo, quem sabe? até poderiam ser substituídos uns pelos outros, à molhada, degradantemente. Ou até secundarizados por skinnerianas máquinas de ensinar, que apressadamente se viram baptizadas de Magalhães, porque os governantes portugueses gostam que a história, tal como as telenovelas, se repita.
Aos professores, era exigido que reincarnassem de novo: uns em avaliadores, outros em avaliados; uns em directores, outros em assessores, outros em assessorados; uns em titulares, outros em titulados, uns em relatores, outros em ralados. Porém, desta vez, a culpa não ia morrer solteira. Mas, para isso, revelava-se necessário desviar as atenções: o resvalar da escola não podia ser atribuído ao acumular dos insucessos de continuadas e desastrosas políticas educativas. Com o derrapar da instituição escolar, a responsabilidade tinha que ser apenas atribuída a um dos actores: aos docentes, claro… e, logo, à sua falência profissional. Acreditam? Pois… é a escola para tolos.
O que eles não sabem nem sonham é que os professores têm dentro de si a força regeneradora do saber, da cultura e da utopia social. Modelando sabiamente os seus alunos, são os construtores de futuros. Dentro e fora da escola querem partilhar a discussão do amanhã, porque aprenderam que ter, é ceder e partilhar.
Infelizmente, como humanos que são, também erram: do seio da escola por vezes saem maus políticos e, logo, más políticas. Mas não é por isso que se deixam abater, já que exercem uma profissão que exige a reflexão permanente, a busca de consensos, e a capacidade de ser persistente, sem teimosia.
Hoje, e talvez por estarmos à beira de uma pressentida reedição do Maio de 68, com os jovens na rua a contestarem as políticas e os políticos que se enredaram em rotinas de salamaleques e na narcísica gestão das suas imagens e carreiras, fazemos nossas as palavras dos Deolinda: “ E fico a pensar/ que mundo tão parvo/ onde para ser escravo/é preciso estudar”.
Professor João Ruivo
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