Há quem tenha mau perder e há quem tenha mau ganhar. Cavaco Silva tem mau ganhar. Comprova-o o discurso da vitória presidencial. Vociferando contra todos os vencidos, acusando-os a todos de infames, inclusivamente contra Fernando Nobre, vem o reeleito falar de dignidade. Dignidade? Afinal, os bons exemplos devem vir de cima. Inclusivamente nos discursos que se fazem. E o discurso de vitória não se ficou por considerar os vencidos de infames e indignos. Quase hereges até. Não! Cavaco apontou o dedo à comunicação social para que esta denunciasse as suas fontes. Não saberá que as fontes jornalísticas podem ser sigilosas e, como tal, não podem ser reveladas se estas assim o entenderem? Afinal, para que quer Cavaco saber quem são? Não nos esquecemos que Cavaco Silva, já como primeiro-ministro, nos brindou com um discurso na Assembleia da República que evocou o Deus, Pátria e Família da época salazarista. O seu discurso de agora fez-nos recordar o de então.
Basear a sua reeleição na evocação da sabedoria popular, afirmando que o povo não se deixou enganar, e, com base nela, considerar que é digno e os outros são indignos, também não é intelectualmente honesto. Afinal podemos evocar o mesmo, fazendo o discurso ao contrário. Na realidade, a escolha popular nem sempre é a mais correcta, nem a mais sábia. Como democratas temos que a aceitar, pressupondo que o reeleito será, para o bem e para o mal, Presidente de todos os portugueses e não somente, como disse Cavaco, "de todo o Portugal." Porque terá omitido a frase “de todos os portugueses”, como tem sido tradição nos discursos dos presidentes eleitos? Há os indignos, encabeçados pelos ex-adversários políticos? Também Salazar foi eleito pelos portugueses para encabeçar a lista dos 100 Grandes Portugueses de todos os tempos, com 41% dos votos. Este ditador, que tanto mal fez a Portugal, pois ainda estamos a pagar pelo atraso secular a que nos votou, ficou à frente de homens como D. Afonso Henriques, Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Marquês de Pombal, D. João II, Luís de Camões, Fernando Pessoa e tantos outros. Tantos homens que tanto deram a Portugal. Muitos deles nem sequer aparecem na lista, em detrimento de outros que nunca lá deveriam estar. Cavaco Silva ganhou com cerca de 53% dos votos, numa eleição onde mais de metade da população portuguesa, para mal dos nossos pecados, não votou.
A reeleição de Cavaco Silva, na minha opinião, só comprova que nem sempre o voto popular é sábio. Tal como tantas vezes aconteceu no passado. Por isso a necessidade de educar, educar e educar. Ao contrário do que defendia Salazar. Portugal ainda tem que percorrer um longo caminho para que a democracia possa dar bons frutos. Infelizmente, um povo inculto é facilmente manipulado. E isso Salazar bem o sabia. Por este motivo, Sócrates (o verdadeiro) e Platão, por exemplo, eram contra a democracia grega de Péricles. Eram-no porque defendiam que o melhor governo deveria emanar dos mais sábios. Na velha democracia ateniense, o povo era muitas vezes chamado a tomar decisões para as quais não estava minimamente preparado. As leis votadas na Eclésia eram preparadas no Bulé, uma assembleia constituída por 500 cidadãos seleccionados ao acaso da pólis. Assim, o governo não era exercido com sabedoria e, segundo aqueles sábios, eram tomadas muitas decisões erradas. Tal como a reeleição de Cavaco Silva o foi. Na minha opinião, claro.
Esperemos, no entanto, que o discurso, que foi proferido no calor da vitória, não seja para levar à letra. Fazemos igualmente votos para que, na medida do possível, Cavaco Silva desempenhe bem o papel de Presidente de todos os portugueses. A bem de Portugal e dos portugueses!
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