A referência a este conto surgiu na edição de ontem do jornal Diário de Coimbra, que comemora os 60 anos de Adriano Lucas à frente do jornal que o seu pai fundou em 1930. Adriano Lucas, decano dos dirigentes da imprensa portuguesa, e um exemplo vivo de independência jornalística, que tem dado voz aos cidadãos das beiras, foi sempre um paladino da liberdade de imprensa em Portugal. Parabéns Eng. Adriano Lucas.
O conto que aqui trazemos ao vosso conhecimento, curiosíssimo, surgiu no jornal Diário de Coimbra no dia 29 de Junho de 1945, dia de S. Pedro. No mesmo ano que marcou o fim da Segunda Grande Guerra Mundial. A responsabilidade da sua publicação, na coluna "A Cidade", foi de Carminé Nobre, escritor e jornalista, na altura chefe da redacção do jornal e seu co-fundador (autor da obra incontornável "Coimbra de Capa e Batina"). A curiosidade é que o conto não passou de uma metáfora, por forma a escapar aos crivos da censura, acerca da notícia publicada na primeira página do jornal, intitulada "Foram ontem entregues ao sr. Dr. Maximino Correia as insígnias da Grã-Cruz da Instrução Pública". Era do conhecimento público que o então Reitor da Universidade de Coimbra era um homem do regime... por isso também era conhecido no meio estudantil por "cata-vento", devido, igualmente, ao cata-vento que tinha no cimo do telhado da sua casa, sita no Penedo da Saudade, e que ainda existe. Aliás, naquela notícia, podem-se ler excertos hilariantes, como o seguinte excerto de um dos discursos "«o prelado universitário, disse, é o informador e o executor das ordens recebidas. É ele que disciplina o impulso generoso da mocidade, mas também é ele que a sabe preservar de influências malévolas, de intuitos inconfessados, manobras ocultas. É essa uma das funções do Reitor...»".
Max, Artista de Circo - O Conto
O circo chegou à cidade, numa noite de imenso calor… Na Companhia destacava-se o astro brilhante do homem do trapézio voador - Max, artista de circo.
De pequenino mostrou logo habilidade para trabalhar em barra fixa e mais tarde foi um grande ás nos trabalhos de pêsos e alteres. Mas o seu vigor inicial foi-se perdendo aos poucos, com as deficiências da alimentação e o excesso dos pêsos que tinha de suportar.
O público era cada vez mais exigente e Max, artista de circo, não viu outro remédio para manter o seu alto prestigio de astro, de primeira grandeza: continuou artista de circo, mas mudou o género dos seus trabalhos. Agora divertia o público que tôdas as noites acorria a admirá-lo, com habilidades de prestidigitação e jogos malabares que tinha aprendido nos intervalos da sua preparação de atleta.
O seu querido público que o acarinhava e distinguia com ovações e especiais, recordava o grande artista que tinha sido um verdadeiro mestre, em barra fixa, e nos pêsos e alteres e lamentava que a falta de vigor físico o empurrasse para êste género fácil da habilidade normal das sortes de prestidigitação.
Havia ainda quem o aplaudisse, mas muitos dos que o faziam era por piedade ou por escárneo. Mas o seu declinio continuava e Max, artista de circo, lembrou-se mais uma vez de mudar de género e vêmo-lo agora contorcionista, a meter-se inteirinho numa caixa de chapéus, a trocar os pés pelas mãos e a fazer semelhantes habilidades, só possíveis a um homem a quem tivesse sido extraida a coluna vertebral.
Porém, Max, tinha nascido para artista de barra fixa e forçosamente que não poderia conseguir o mesmo êxito, neste novo género de trabalho.
O seu empresário também se desgostava com o declínio de um dos melhores Números da companhia e sugeriu-lhe que mais uma vez mudasse de género de trabalho.
E certa noite, numa grande festa preparada para o efeito, o digno empresário presta uma solene homenagém ao insigne artista e, perante o respeitável público, que delirantemente o aplaudiu, o empresário fez a apresentação de Max, o homem do trapézio voador.
Começava agora os seus trabalhos mais arriscados, a 20 metros de altura e trabalhando sem rêde. Mas já tinha perdido a agilidade da juventude e os seus trabalhos no trapézio eram poucos, fracos e ridículos…
E uma triste noite, com o circo quási vazio, Max estatela-se no chão perante risos e gritos da assistência. No dia seguinte, nem o empresário o foi ver à Morgue...
A Força da Censura
Como é referido no jornal na sua edição de ontem "Esta era uma história na qual o regime colocou sabor político. Considerou que Max era então o Reitor Maximino Correia e que o mestre do circo (empresário) não podia deixar de ser Salazar, devido ao comportamento que assumia com quem deixava de o servir...". Assim, por decisão governamental, o jornal foi suspenso a partir do dia 7 de Julho de 1945, só voltando às bancas cerca de um ano depois, a 4 de Julho de 1946. O Diário de Coimbra pode, por isso, orgulhar-se de ter sido o jornal português que sofreu a mais grave penalização imposta pelo antigo regime. E resistiu devido ao empenho de Adriano Lucas e dos seus colaboradores.
Há coisas que o tempo não muda...
2 comentários:
Já partilhei no Facebook http://www.facebook.com/jose.adelino.maltez
Obrigado pela memória viva da minha santa terrinha
Caro JAM,
Obrigado pelas suas palavras e o pelo seu apoio. Temos tentado dar a conhecer e a denunciar acontecimentos passados nesta cidadezinha da paisagem portuguesa, que, embora tendo importância nacional, por um motivo ou por outro, são "escondidos" nos tradicionais órgãos da comunicação portuguesa... Porque, se naquele tempo existia censura de forma aberta, hoje ela existe de forma encapotada. Tenho, infelizmente, essa experiência. Até na blogosfera. Assim, tendo esta oportunidade, aproveito também para elogiar o trabalho do jornal Diário de Coimbra, que sempre deu voz aos cidadãos e pugnou pela isenção jornalística. Infelizmente, é um caso raro em Portugal e, por isso mesmo, deve ser largamente difundido.
Cumprimentos.
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