No passado, já distante, as raparigas de uma aldeia, aliás das mais simpáticas e belas da Freguesia de Vide, só se casavam pela Igreja, no estado de gravidez e, por esta razão, eram conhecidas por «fornicadinhas», no melhor sentido de pureza, pela sensibilidade do nosso tempo de crianças. Até se faziam marchas, ao toque de testos e panelas como tambores, alusivas às noivas grávidas.
Num certo sábado desse passado, de manhã, fui alertado para o casamento de uma dessas noivas, mas já junto ao altar da nossa igreja. Irrequieto, já com assumos de compreensão, e ainda por cima educado num ambiente católico, mas na melhor essência cristã, tomei a iniciativa de saudar os noivos.
Nos patins, estavam na ocasião, alguns companheiros da minha infância. O Garinha, filho do José Lopes, que morava em frente ao forno, conhecido por lobisomem, porque o confundiam com os bateres dos cascos das mulas do Avelino da Maria Calheiras, junto à igreja. As mulas, já amestradas no levantar das trancas do curral, corriam para matar a sede na fonte. O Cristiano Pacheco e o Joaquim Lopes, conhecido por «verdasca», eram os companheiros mais reguilas e ariscas. O Augusto Lopes era o melhor amigo e companheiro que, na fotografia junta, está com a sua filha ao colo, junto à casa do Ti Zé António.
Pedi-lhes para me acompanharem ao jardim dos meus tios da Venda, para colher camélias brancas, para deitar sobre os noivos. Negaram-se, menos o Augusto.
O Augusto Lopes com a filha
Com os bolsos e boinas cheios de pétalas brancas das camélias, corremos para junto da porta principal da igreja. Aproximaram-se de nós nos patins, mas só o Zé Moura, conhecido pelo «fiscal do trabalho nocturno» e a Inocência do Adro, amiga dos miúdos. Com os ciúmes do João Farmácia, dava-lhe muitas vezes na veneta estilhaçar-lhe as vidraças da sua farmácia. Tinha-lhe um amor obsessivo.
Quando os noivos apareceram, depois da bênção no altar, acompanhados pelo Ti Zé António, à frente, e o padre Cândido atrás, sorrindo com a beleza do seu sempre sorriso de compreensão, atirámos sobre eles, punhados de pétalas brancas das camélias que pareciam cair do céu, numa alegoria festiva.
A minha mãe que assistia da janela, com a sua radiosa bondade, chamou-me e perguntou-me muito admirada:
- Porquê, meu filho?
Respondi-lhe com os seus ensinamentos bíblicos:
- Minha mãe, Deus disse, crescei e multiplicai-vos. Não foi? Mas não disse crescei e casai-vos!
- Minha mãe, Deus disse, crescei e multiplicai-vos. Não foi? Mas não disse crescei e casai-vos!
Convencida da minha razão não deixou a janela sem me avisar, sorrindo:
- Logo, ao Terço, conversamos!
- Logo, ao Terço, conversamos!
Este episódio, do meu passado, que aliás, alguém me aconselhou a não publicar para não haver mais “bicadelas” ao suplemento do Nordeste (o jornal paroquial), serve, e bem, para homenagear as jovens mães solteiras que são levadas a abandonar os seus filhos e ao suicídio com o receio de serem julgadas por pessoas que só vivem a julgar os outros quando se negam ao julgamento de si mesmas.
Aliás, a virgindade fisiológica não é a mesma da virgindade do amor, como a desta noiva grávida recordada, cuja pureza se manifesta no nascimento de um filho a mando de Deus.
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