A Escola
Sem educação não há cultura e sem cultura não há qualidade de vida, na melhor expressão ética de convivência e, por isso, vem a propósito recordar a nossa Escola do passado, na fotografia junto ao solar da Venda.
O Professor Sequeira Mendes, percursor da pedagogia moderna, entra na Escola e, logo de manhã, ordena, bem alto, para os alunos a exame da 4ª classe: “Meninos, levantem-se e perfilem-se alinhados, na minha frente”.
A cada pergunta da lição anterior e na revisão do ditado, a minha pele era a mesma da geada do Inverno e as respostas quedavam-se no gorgomilo, mais pelo medo de errar, pois a palmatória, grossa e com cinco olhos bem abertos, espreitava ansiosa sobre a mesa.
Mas só um, o meu companheiro, perfilado ao meu lado esquerdo, o Zé Ribeiro, respondia acertadamente, porque possuía uma inteligência afoita, que abafava o medo de errar.
E, como prémio, para castigar os que não respondiam por não saber ou por medo, apesar de pequeno, julgava-se, e com razão, o mais alto no saber.
“Ó Zé, não me malhes com força, porque tenho uma ferida na mão, quando fazia um loisão”.(1)
Disse-lhe como uma reza.
O Matias, do meu lado direito: “Zé, malha-o com força, senão queixo-me”.
O Zé Ribeiro negou-se, bateu levemente, mas ao contrário quase esmagava a mão do Matias. “Sacana” gemeu.
O professor Sequeira Mendes, como alguns pedagogos clássicos, tinha a metodologia de ensinar, partindo do contrário ou falso, para o verdadeiro, para acirrar o discernimento e ginasticar a inteligência, isto é, “abrir os olhos” para o conhecimento.
“Os meus meninos, sabem de onde vem o perfume que o Sete Estrelo, na ponte, vende para perfumar as meninas?”
Como era primavera, olhei para fora da janela e senti o cheiro das flores de laranjeira, mas calei-me, arrepiado com medo de responder. Mas o Joaquim da Silva, de Baloquinhas, por sentir o cheiro do alecrim, vindo da varanda da Senhora Marquinhas, gaguejou “Vem do alecrim” e o António Ribeiro, mais afoito: “Dos goivos”.
“Quem disse alecrim ou goivos? Nem de alecrim, nem de goivos, mas sim, vem das caganáteas! Sim ou não?” Nós todos obedientes, para aliviar: “Sim, sim Senhor Professor!”.
“Que lindos burrinhos, bem se vê que não têm idade de cheirar o perfume que vem das flores, igual, às do jardim ao lado da Escola”.
Ainda embalado na pedagogia de acirrar espertezas atirou-nos com uma pergunta fisgada e amaciada, como estivesse a pescar bordálos com uma minhoca.
“Os inteligentes meninos, sabem quantos centímetros tem um metro?”.
Todos, sem gaguejar, pois a aritmética não enganava: “Cem centímetros”.
“Não, não, meus meninos, na Vide e, por milagre, só na Vide, o metro tem noventa centímetros! Sim ou não?”
“Sim, sim, Senhor Professor!”, como para nos abençoar e para nos dar uma manhã mais sorridente.
“Noventa? Então na Loja do Senhor António Nobre, roubam os fregueses quando lhes medem a chita com o metro?”.
Já no primeiro ano do liceu em Coimbra, passei pela escola a caminho da casa dos meus tios, na Venda.
-“Ò doutorsinho, venha cá ensinar os ignorantes”. Chamou e pediu o professor Sequeira Mendes.
Arrastado, sentei-me na borda do banco e, na sua primeira pergunta, saltei, fugi como uma lebre, aos zig-zag, para arejar os calções que a Assunção tirou para enxugar, na casa dos meus padrinhos.
Nas vésperas dos exames da 4ª classe, em Seia, fui com a minha Mãe Preciosa, numa mula, pernoitando na vivenda do meu avô materno, em Torrozelo.
Minha Mãe, apesar de uma mãe com dez filhos e já com a morte de quatro, presidiu aos exames da 4ª classe, por ser considerada a melhor professora do conselho de Seia. Foi uma Mãe, uma professora e uma Santa.
Passámos todos com distinção, não por favor, mas sim, pelo saber pedagógico do professor Sequeira Mendes que, recordo, por me ter dado a melhor motivação para ensinar, educar e formar muitos jovens.
O Professor Sequeira Mendes, percursor da pedagogia moderna, entra na Escola e, logo de manhã, ordena, bem alto, para os alunos a exame da 4ª classe: “Meninos, levantem-se e perfilem-se alinhados, na minha frente”.
A cada pergunta da lição anterior e na revisão do ditado, a minha pele era a mesma da geada do Inverno e as respostas quedavam-se no gorgomilo, mais pelo medo de errar, pois a palmatória, grossa e com cinco olhos bem abertos, espreitava ansiosa sobre a mesa.
Mas só um, o meu companheiro, perfilado ao meu lado esquerdo, o Zé Ribeiro, respondia acertadamente, porque possuía uma inteligência afoita, que abafava o medo de errar.
E, como prémio, para castigar os que não respondiam por não saber ou por medo, apesar de pequeno, julgava-se, e com razão, o mais alto no saber.
“Ó Zé, não me malhes com força, porque tenho uma ferida na mão, quando fazia um loisão”.(1)
Disse-lhe como uma reza.
O Matias, do meu lado direito: “Zé, malha-o com força, senão queixo-me”.
O Zé Ribeiro negou-se, bateu levemente, mas ao contrário quase esmagava a mão do Matias. “Sacana” gemeu.
O professor Sequeira Mendes, como alguns pedagogos clássicos, tinha a metodologia de ensinar, partindo do contrário ou falso, para o verdadeiro, para acirrar o discernimento e ginasticar a inteligência, isto é, “abrir os olhos” para o conhecimento.
“Os meus meninos, sabem de onde vem o perfume que o Sete Estrelo, na ponte, vende para perfumar as meninas?”
Como era primavera, olhei para fora da janela e senti o cheiro das flores de laranjeira, mas calei-me, arrepiado com medo de responder. Mas o Joaquim da Silva, de Baloquinhas, por sentir o cheiro do alecrim, vindo da varanda da Senhora Marquinhas, gaguejou “Vem do alecrim” e o António Ribeiro, mais afoito: “Dos goivos”.
“Quem disse alecrim ou goivos? Nem de alecrim, nem de goivos, mas sim, vem das caganáteas! Sim ou não?” Nós todos obedientes, para aliviar: “Sim, sim Senhor Professor!”.
“Que lindos burrinhos, bem se vê que não têm idade de cheirar o perfume que vem das flores, igual, às do jardim ao lado da Escola”.
Ainda embalado na pedagogia de acirrar espertezas atirou-nos com uma pergunta fisgada e amaciada, como estivesse a pescar bordálos com uma minhoca.
“Os inteligentes meninos, sabem quantos centímetros tem um metro?”.
Todos, sem gaguejar, pois a aritmética não enganava: “Cem centímetros”.
“Não, não, meus meninos, na Vide e, por milagre, só na Vide, o metro tem noventa centímetros! Sim ou não?”
“Sim, sim, Senhor Professor!”, como para nos abençoar e para nos dar uma manhã mais sorridente.
“Noventa? Então na Loja do Senhor António Nobre, roubam os fregueses quando lhes medem a chita com o metro?”.
Já no primeiro ano do liceu em Coimbra, passei pela escola a caminho da casa dos meus tios, na Venda.
-“Ò doutorsinho, venha cá ensinar os ignorantes”. Chamou e pediu o professor Sequeira Mendes.
Arrastado, sentei-me na borda do banco e, na sua primeira pergunta, saltei, fugi como uma lebre, aos zig-zag, para arejar os calções que a Assunção tirou para enxugar, na casa dos meus padrinhos.
Nas vésperas dos exames da 4ª classe, em Seia, fui com a minha Mãe Preciosa, numa mula, pernoitando na vivenda do meu avô materno, em Torrozelo.
Minha Mãe, apesar de uma mãe com dez filhos e já com a morte de quatro, presidiu aos exames da 4ª classe, por ser considerada a melhor professora do conselho de Seia. Foi uma Mãe, uma professora e uma Santa.
Passámos todos com distinção, não por favor, mas sim, pelo saber pedagógico do professor Sequeira Mendes que, recordo, por me ter dado a melhor motivação para ensinar, educar e formar muitos jovens.
O professor Joaquim Ribeiro Nobre, o patriarca dos professores de Vide.
C.N.
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1O loisão, o fincão e a gradizela eram três peças de pau armadas na loisa para apanhar pássaros.
1O loisão, o fincão e a gradizela eram três peças de pau armadas na loisa para apanhar pássaros.
5 comentários:
Cara Ana, por favor veja o seu correio do sapo.
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