Marquês de Pombal, segundo Van Lou
A propósito do estado da cultura em Portugal. Consequência, também, de não termos tido mais estadistas do calibre do Marquês de Pombal, decidi incluir aqui um pequeno excerto do discurso de Bernardino Machado, aquando da homenagem prestada ao marquês em 1882, na celebração do primeiro centenário da reforma pombalina (*). Também porque o Estado Novo tentou, subrepticiamente, minorar a sua importância. Existem muitas provas que têm passado ao lado dos historiadores. Se calhar porque muitos destes também são, ou foram, coniventes com aquele regime. Prova-o a ausência de referências à celebração do segundo centenário, a desvalorização da sua reforma, tentando-se desacreditar, por exemplo, homens de valor que, um dia, terão que ser reabilitados pela Universidade de Coimbra. Um dia destes, também, debruçar-me-ei sobre este assunto. Para que me possam entender...
Mais do que reformador, o Professor Bernardino Machado, chama-o criador. Mas acima de tudo, o texto continua actual. Vemos nele o que temos hoje. O que Pombal, ao fim e ao cabo, combateu: a ignorância. Podemos também sentir a eloquência de Bernardino, que também foi politico. Que falta nos fazem politicos assim...
"O marquês de Pombal, meus Senhores, sabia de cór a historia da nossa decadencia e ruina; sabia que só pela sciencia nos tinhamos enaltecido, e que tombaramos de chofre, mal se nos consumiu a razão inflammada pelas irradiações do oiro e pedrarias. O seu programma foi portanto este: arrancar do paiz a inextricavel vegetação parasitaria que o sugava, a ignorancia; e, depois delle bem revolvido, semeá-lo de saber.
A ignorancia tinha um sarcedote, um paladino, um consocio, o jesuita: expulsou-o. Era a ignorancia fanatica: quebrou-lhe as armas na Inquisição, e impossibilitou-lhe as victimas, os christãos novos. Era deshumana: aboliu a escravatura na metropole e emancipou os indios no Brazil. Era immoral: comminou severamente os concubinatos publicos. Era arrogante, odienta, cruel: abafou no cadafalso a conspiração dos nobres. Era vã, perdularia: mandou arrazar os vinhedos dos campos do Tejo, Mondego e Vouga, e denunciou o tractado de Methwen. Era a ignorancia doutorada: demoliu o velho ensino. Em summa, atacou-a de todos os lados e subjugou-a sempre!...
... A velha sociedade, Senhores, estava constituida em tres ordens, e estas divisoes impunham grandes linhas a quem tentasse a sua reformação. Escusado será accrescentar que ellas entraram no plano do marquês de Pombal. Para trabalhar para todo o paiz, elle trabalhou pelo clero, pela nobreza e pelo povo....
... Sim, Senhores, só um homem extraordinario pôde trazer para dentro da nossa instrucção superior os derradeiros dois seculos, em que a sciencia parecia havê-la desertado; só forças descommunaes poderam amplificá-la tanto, que nella viessem a caber Bacon e Descartes, Newton e Leibniz.
Imaginem! Multiplicara-se a mathematica, chegava-se à mechanica celeste, quer dizer, a Laplace; a physica progredia com um Franklin, por exemplo, o domador do raio e da tyrannia; já Buffon escrevera a história natural do homem, houvera Rousseau, - estava até para explodir a revolução de 89 -; tinha nascido Hegel: e nós marcavamos o passo na doutrina aristotelica!...
... Meus Senhores! Tirem-se as consequências a essa obra, e a nossa grandeza evidenciará a todos os olhos a do estadista que a concebeu. Tirem-nas todos! Tire-as a Universidade! A ella direi em signal dos affectos que lhe voto: a soberba construcção do marquês de Pombal precisa quea habite uma alma feita de verdade e de justiça; inspirae-lh'a e resuscitareis o nosso genio nacional!"
Bernardino Luís Machado Guimarães (1851-1944)
(*) - Bernardino Machado, A Universidade de Coimbra, Typ. F. França Amado, 1905.
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