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05/03/08

João Brandão e os Cacas

Um conto do meu pai. Em memória do pai mais sábio do mundo.

João Brandão in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Volume 1, Publicações Alfa

A Beira Serra foi assolada por lutas sangrentas, entre os liberais que juraram a Constituição, em 1826, nos períodos monárquicos do Rei D. Pedro IV e da Rainha D. Maria II e os absolutistas ou miguelistas do Rei D. Miguel, que se considerou Rei Absoluto e, como tal, representante de Deus, como se auto denominaram os monarcas absolutistas europeus.

A Beira Serra, especificamente, os concelhos de Oliveira do Hospital e Seia, sofreram com essas lutas e vinganças de morte. De um lado, os liberais, comandados pelas tropas de João Brandão e, do outro, os miguelistas, capitaneados por influentes concelhios. Na freguesia de Vide foram mais sangrentas, entre João Brandão e os cacas, ladrões, salteadores e criminosos, apoiados e armados pelos miguelistas dos referidos concelhos.

A Ponte de pau, no local da Catraia, onde os cacas foram derrotados por João Brandão

Na sua perseguição até ao Sobral Gordo, Sobral Magro e Cebola, João Brandão apreendeu 600 armas na Barriosa. Os cacas eram tão ladrões, que ainda conheci casas na Vide, que tinham duas paredes, para entre elas se esconderem os alimentos.

A propósito, António Figueiredo, do Casal do Rei, conhecido por Tio Teixeira, por ter uma quinta na Teixeira, era um miguelista fanático, e de tal modo, que misturava a fotografia do Rei D. Miguel com os seus santos, no oratório. Conta-se que começou a engordar um boi, para ser comido quando do regresso do Rei D. Miguel, exilado em Viena de Áustria, para recuperar o trono de Portugal. Mas, aconteceu que, passados quatros anos, o boi já gordo, foi roubado, abandonado e morto na Portela da Avoaça, deixando desanimado o padre João Silva, de Vide, conhecido por Padre Rústico, porque ansiava alambazar-se na comedura do boi. Foi um alarido e aos gritos “roubaram o boi do Rei D. Miguel”.

E a propósito final, João Brandão foi injustamente preso e exilado em Angola, aonde teve uma morte trágica, depois de ter sido condenado por defender a justiça e os valores humanos. Por isso, e pela sua lealdade, mereceu um louvor “honroso e patriótico” da Rainha D. Maria II.

Mas mais importante. As vitórias de João Brandão tiveram a melhor aliada, o amor da sua amante, em Baloquinhas, que o avisava da presença dos cacas, com uma fogueira, num dos altos dessa povoação e cujo aviso, era por ele aguardado, na Estalagem. Alguém, do passado, recordou os versos da cantiga do seu amor:

A fogueira que acendo
Leva-te o fogo do meu amor

A minha irmã Ester escreveu sobre João Augusto Brandão, filho de João Brandão:
Conheci um homem verdadeiramente extraordinário, filho de João Brandão – e que se aparentou à minha família pelo seu casamento com a prima Leucádia, do Councedeira. Filósofo, naturalista e curandeiro. Salvando muita gente com a ciência dos seus livros.”

O filho de João Brandão, que foi Presidente da Junta Paroquial de Vide.

Nota final: aqui iniciarei uma série de contos que o meu pai nos deixou. São essencialmente histórias da sua Beira Serra, da terra do bacalhau da Maria, que Torga também perpetuou nos seus contos. São Histórias do Portugal profundo que nos fazem sentir orgulho de sermos portugueses, ainda que no meio da miséria de valores que, hoje, nos cerca e nos esmaga.

4 comentários:

Anónimo disse...

Não, não venho aqui retribuir. Apenas assinalar o muito que li sobre João Brandão, que escrito por Joaquim Martins de Carvalho, dono, fundador da "fonte" por excelência do século XIX coimbrão: "O Conimbricense" e a enviesada prespectiva com que fiquei sobre a personagem de que aqui se fala. Ao avançar nas "leituras" comecei a deparar-me com a "outra perspectiva" o que foi deveras interessante e forneceu nova amplitude histórica sobre estes acontecimentos. Dai ter tirado enorme proveito do que escreve aqui.

Rosina disse...

Sou do Brasil,fui duas vezes em Vide por pedido de minha tia(Maria Freire dos Santos) e meu pai (Joaaquim Freire Lopes) filhos de João Brandão, moravam em Vide, com minha avó(Rita Lopes) e meus tios.Meu pai nasceu em Conselho de Ceia na freguesia de Vide Distrito Administrativo de Guarda e veio para o Brasil em 1937 onde constituiu familia e teve tres filhos.Adorei filmar e conhecer toda familia em Vide e Lisboa resgatar algumas gerações de nossa origem.Se tiver mais lembranças agradeço, pois minha tia me deu a foto do vô igual a que ele está na internet ao lado do muro de pedras, fiquei feliz de reve-lo.Tenho o livro João Brandão adquirido por minha tia antes de seu falecimento com 101 anos em 2010.Minha tia Maria Encarnação de Brito e seu esposo Abilio de Brito que moravam em Vide faleceram mais ou menos a quatro anos mas seu filho Sebastião ainda mora na casa que era da vó Rita onde nasceu meu pai.Se quiseres podes interagir pelo meu email, rosinaferreira@globo.com

Frank & Raquel disse...

Interessante,por mero acaso encontrei este comentario na internete
Eu sou Franklin graça,filho do sre Abel,e da sra Francelina de Baloquinhas,e neto do sre Manuel lopes,mais conhecido por sre Manuel enfermeiro
A figura do Sre Joâo brandâo,esta ligado a minha familia,pois minha casa em Baloquinhas,assim como grande parte das terras foram do sre Joâo brandâo
Possuo ate hoje livros que foram desua pertença
Meu avô Lopes foi diciplo do sre João brandâo,dai aprendeu muito acerca de medicina
Vivo no Brasil,e foi muito bacana ter encontrado este artigo

João do Lodeiro disse...

Caros Frank & Raquel,

Muito obrigado pelo vosso comentario. Eu agradeco, e o vosso comentario tem valor historico. Como sabe Joao Brandao e uma figura polemica na Historia Portuguesa onde e retratado negativamente. Existem razoes objectivas que podem explicar o ponto de vista da "Historia de Portugal" oficial. Um dia, com tempo, discutiremos este assunto aqui. Neste post apenas pretendi dar uma visao mais humanista e mais realista da vida deste lusitano ilustre. Visao que me foi passada pelo sabio que foi meu pai. Obrigado!