Visita do Prof. Veiga Simão ao Museu Nacional da Ciência e da Técnica aquando da sua inauguração em 1971. Foto tirada num dos salões dedicados ao génio de Leonardo da Vinci.
O Diário de Coimbra publica na sua edição de hoje, 26 de Março de 2008, a carta de indignação que a minha mãe lhes enviou, e cuja cópia eu coloquei no Natureza há alguns dias. Porque a sua ira é muita, tão grande como a minha, e porque a memória da maioria dos nossos concidadãos é muito curta, aqui fica novamente o texto. Eu sei que não adianta, mas não calaremos a nossa voz contra a estupidez, a insensibilidade e a hipocrisia que grassa, hoje, em Portugal . Um dia a História julgar-nos-à a todos:
"Senhor Director:
Ao Senhor Luís Fernandes
Como filha mais velha do Professor Mário Augusto da Silva e que, ao longo destes anos – 30 anos precisamente – tenho vindo a público no Diário de Coimbra lutar, clamar em prol das obras do meu pai, não podia agora ficar calada. Quero primeiro agradecer-lhe o ter tomado posição tão empenhadamente a favor do Museu Nacional da Ciência e da Técnica (MNCT). Também dizer-lhe que foi a primeira vez que um conimbricense, como diz “um cidadão anónimo”, vem à luta pelo Museu. Muito, muito obrigada. A maioria dos nossos conterrâneos esteve, e está, sempre de costas viradas para o Museu. As sua vidinhas são mais importantes que um Museu de Ciência. Como estavam e estão enganados! Embora com muito mais população, Coimbra está em agonia. Era a terceira cidade! E hoje?
As chamadas forças vivas da cidade, ou é melhor chamar-lhes «forças mortas», tudo têm feito para levar ao desaparecimento o MNCT, não o vendo como o que Mário Silva queria fazer, um Museu Nacional da Ciência e da Técnica de Portugal. Um museu vivo e dinâmico, com pólos em todas as cidades, desde os moinhos, azenhas, lagares de azeite… até às últimas conquistas da ciência. Englobando todos os museus já existentes como pólos independentes mas integrados num grande museu, para proporcionar a quem o visitasse uma visão de todo o passado e as conquistas do futuro. Principalmente as referentes ao engenho português. Veja como Coimbra se poderia efectivamente tornar num pólo de excelência da cultura portuguesa, em vez de termos somente aquela publicidade enganosa na A1.
Fiquei muito magoada quando o próprio ministro Mariano Gago lhe deu o golpe final, quando tinha sido sua Excelência, em 1999, a salvá-lo, criando junto ao MNCT o Instituto da História da Ciência e da Técnica. Como bem referiu na altura, era uma lacuna no nosso ensino superior.
Realmente para quê impor à cidade, às suas forças vivas e à sua população este museu?
O Senhor Presidente da Câmara, o seu pelouro da cultura e os ditos “amigos da cultura” não estão nada interessados. O Senhor Reitor da Universidade achou por bem fazer antes mais um museuzinho de ciência… para juntar aos outros todos que lá tem. Ao menos se já existia com Estatutos legalizados um Museu Nacional da Ciência e da Técnica na cidade, porque não a Universidade reivindicar a sua integração. Penso que os Senhores Professores tiveram medo de tamanha responsabilidade. Repare. A Mário Silva foi-lhe dada a direcção de um Museu assim. Direcção que assumiu com Mestria. Em princípio ficaria em Lisboa, mas amando a sua cidade conseguiu que Coimbra fosse a sua sede. E porque não Coimbra, que já tinha sido a sede da primeira universidade portuguesa. Coimbra mereceu?...
Mas morreu Mário Silva. Sucede-lhe um Professor Catedrático no activo. Veja o resultado. Um descalabro completo. E lá vão vinte anos. Vem novo Professor, só que desta vez alguém que se dedica completamente e trabalha com afinco durante somente cerca de dois anos – Professor Paulo Renato Trincão, com o ministro Mariano Gago. Foi o canto do cisne do museu. Muda novamente o governo. As forças vivas que tinham sido travadas, têm agora via livre novamente. O Museu Nacional tem agora os dias contados. E o novo Senhor Ministro ainda tem a ousadia de lhe por o nome Dr. Mário Silva!!! Como estava certa quando publicamente, aqui mesmo, repudiei esta “honra”. Porque além de diminuir ambos era a maneira de ser mais fácil fechá-lo. Colocam lá outro Professor no activo. A sua direcção é a ruína completa do museu. Aliás tinha à sua espera o novo museuzinho… para quê gastar energias e responsabilidade na direcção do Museu Nacional da Ciência da Técnica, não de Lisboa, do Porto, de Coimbra, e de, e de, e de… mas o Museu Nacional da Ciência e da Técnica de Portugal.
No seu segundo artigo fala do Dr. Mário Nunes. Vou dizer-lhe pois talvez não se recorde. O Dr. Mário Nunes em 15 de Maio de 1988 no Jornal Domingo, publicou um extenso artigo “Museu Nacional da Ciência e da Técnica muda ou não de local?!” O artigo é encimado pelas fotos das duas casas principais. A da rua Fernandes Tomás (que o director à data Professor Alte da Veiga alienou). A da rua dos Coutinhos, o palácio Sacadura Bote, comprado mais tarde pelo Estado no tempo do Professor Renato Trincão. Em boa hora! Porque estava para ser vendido a um sr. professor… Trás ainda uma outra foto da casa da rua da ilha onde mostra a tecnologia da cerâmica. Nela havia, entre outras coisas, uma sala de armas, composta por uma grande colecção. Engraçado. Senão repare: no Inverno do ano seguinte, 1989, o telhado deste edifício, velho, rompeu e deixou entrar água. Isto num prédio de dois ou três andares. O museu ficava no rés-do-chão. O Sr. director mandou retirar todas as peças (onde estão?) e muito solicitamente comprou o imóvel para si mesmo!!! Mas voltemos ao que interessa. O Dr. Mário Nunes termina-o assim: “que o Museu da Ciência e da Técnica continue a ser nacional e sediado em Coimbra, são os votos que formulamos e a melhor forma de estarmos na e com a urbe mondeguina”.
Que me diz o senhor? Não é para rir? O Sr. Dr. Mário Nunes tem hoje o pelouro da cultura da Câmara Municipal de Coimbra.
Coimbra, 18 de Março de 2008
Maria Isabel da Silva Nobre"
Recordo que acerca deste assunto publiquei vários "posts" onde chamo à atenção para a petição que está on-line aqui:
PS: Há quase um mês on-line, esta petição foi assinada por somente 18 pessoas. Esta é a prova maior da hipocrisia que por aí reina.
2 comentários:
COIMBRA: AFINAL, QUAL É A TUA CULTURA?
Entrei no autocarro. Num relance, como raio de luz projectado de um farol que varre o mar, os meus olhos percorreram todos os lugares sentados. Havia um, vago, ao lado de uma mulher. E foi mesmo ali que me “assolapei”. Depressa as minhas narinas absorveram o perfume de pinheiro silvestre que vinha da minha companheira ocasional de viagem. Era uma mulher de meia idade, bem vestida, elegante e de ar sóbrio. Lia o jornal da cidade, o “Diário de Coimbra”. Como conheço bem a paisagem, e nada me chamou a atenção, poisei os meus olhos numa notícia plasmada no jornal aberto ao meu lado: “Munícipe lançou apelo para não deixar morrer o MCT (Museu da Ciência e da Técnica)”. A seguir, em desenvolvimento, a notícia descrevia que “depois de o munícipe ter lançado o apelo ao executivo municipal, o Presidente da Câmara, Carlos Encarnação informou-o: venha falar comigo mais sossegadamente e ter uma conversa demorada”. Era a página que a mulher pacientemente lia.
Foi então, sem que nada o fizesse prever, que ela atira de supetão: “coitado do munícipe, se está à espera de ser chamado pelo Encarnação, bem pode esperar sentado. Você não acha?” Interroga-me a mulher, fixando os seus olhos negros nos meus castanhos. Antes de eu ter tempo de responder, já ela replicava: “Estes políticos são uns artistas a “chutar para canto”, é por essas e por outras que esta amaldiçoada cidade nunca sai da cepa torta”. Claro que o tema interessava-me de sobremaneira e, por isso mesmo, tinha de dizer alguma coisa para que ela continuasse. Então interroguei-a: porque diz isso? “Porquê? Você ainda me pergunta?! Coimbra é uma cidade esquisita, virada para as tricas intestinas. Veja, agora, o caso do Metro: há sempre alguém que descobre uma maneira de colocar uma pedra na engrenagem e assim evitar que as coisas corram normalmente. Verdadeiramente ninguém está interessado em fazer seja o que for enquanto há tempo para a cidade andar para a frente. É como se precisassem do eterno choradinho, do fado desgraçadinho. Sem esses lamentos melosos não conseguem viver. Precisam de, eternamente, andar a carpir mágoas pelas ruas e vielas. Concretamente, ninguém está interessado em salvar nada. Já foi assim com a demolição da Alta, nos finais da década de 1940, em que a única voz dissonante foi Bissaya Barreto. Depois, em finais dos anos 70, foi o desaparecimento dos velhos eléctricos ronceiros, mandados retirar pelo então edil Mendes Silva. A seguir, nos anos 90, foi retirado o tráfego automóvel e imposto o pedonal nas Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz. Tudo isto foi feito às claras, sem oposição, e até com a maioria dos Conimbricenses a aplaudirem. Hoje, parecem umas Madalenas, sempre a lembrar, a chorar e a lamentarem os erros do passado. Mais grave ainda: a pedirem a reposição do outrora destruído. Acredite, esta cidade está amaldiçoada pelos espíritos “vagueantes” de Camões, do Eça, do Camilo Pessanha, do Trindade Coelho e do mais recente Miguel Torga. São demasiadas almas de escritores célebres para uma cidade só. Pensa que alguém se importa que desapareça o MCT? Repare neste pormenor: foi postado na Internet uma petição contra a política cultural da autarquia de Coimbra, em que Carlos Encarnação era acusado de insensibilidade e autismo perante a cultura da cidade. Era um texto ideológico, onde o entendimento da cultura parecia metafísico. No entanto, mesmo assim, foi subscrito por 1150 pessoas. Hoje, também na Internet, está a correr uma petição on-line para que o MCT não seja desbaratado –PELO DIREITO À MEMÓRIA E PELO DEVER DE PRESERVAR UM MUSEU UNIVERSAL DE COIMBRA. Ora, em coerência, seria suposto que estes preocupados “amigos da cultura” subscrevessem esta petição. Pois sim! Até hoje foi subscrita por pouco mais de meia dúzia de pessoas. Não acha estranho?”. Confesso que realmente não entendo as preocupações desses “cultores”, respondi, para que a senhora se sentisse impelida a continuar.
Prossegue a dama, “como se deve lembrar, Carlos Encarnação acusou este milhar de pessoas de “amiguismo”. Agora veja a conclusão: em face dos seus comportamentos, ambos têm razão. O Presidente da Câmara, em face da aparente inevitabilidade de que o MCT vai ser desbaratado, “chuta para canto”, e pouco parecendo importar-se, acaba por dar razão ao grupo de cidadãos subscritores e “amigos da Cultura”. Por sua vez o grupo, ao não subscrever uma petição, num acto concreto de atentado à memória, ao passado e à cultura de Coimbra, vem dar, também, razão a Carlos Encarnação, de que, realmente, assinaram a tal petição apenas pelo “amiguismo”, pela “partidarite” de uma guerra política suja”.
A senhora desculpe, mas estou a chegar ao meu destino. Que pena não poder continuar a ouvi-la. Levantei-me, toquei o sinal de paragem e encaminhei-me para a porta de saída. Ainda ouvi a mulher perguntar, quase no meio de um grito: VOCÊ JÁ ASSINOU A PETIÇÃO? …OU É UM FALSO IGUAL AOS OUTROS?
LUIS FERNANDES
(COIMBRA)
(www.questoesnacionais.blogspot.com)
JP,
Tem toda a razão.
O Museu merecia mais visibilidade e publicidade. Poderia facilmente tornar-se num dos ex libris da cidade, mas, infelizmente, nem a Câmara nem a universidade, têm a visão necessária para o fazer.
Coimbra continua amarrada ao passado...
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