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24/04/09

Primórdios da Rádio em Portugal (IV) - Uma pequena contribuição para a história da rádio e da ciência em Portugal

A primeira emissora de rádio universitária de Portugal...

Uma curiosidade foi o facto de, em 1933, o Professor Mário Augusto da Silva ter criado em Coimbra, juntamente com Teixeira Lopes seu assistente e o Professor Armando Lacerda, director do Laboratório de Fonética Experimental da Faculdade de Letras, uma das primeiras emissoras de rádio do país: a projectada «Emissora Universitá­ria de Coimbra». Apesar dos fins entre ambas serem distintos, é, sem dúvida, a precursora da Rádio Universidade de Coimbra (RUC), após um interregno de décadas, devido à censura que caracterizou o Estado Novo. Pena que os actuais responsáveis não conheçam esta pequena história. Ela aqui fica para que não possam deturpar os factos do passado...

Ainda não existia a Emissora Nacional, somente o Rádio Clube Português, cujo projecto se iniciou em 1931 (CT1DY), quando, em 1933, a primeira emissora universitária de Portugal começou a operar. A ideia surgiu após a construção de um pequeno emissor [1] por João Teixeira Lopes (obrigado a afas­tar-se da Universidade quando Mário Silva foi expul­so, tal como todos os seus assistentes, em 1947). Escreveu Mário Silva em 1963 [2]: "... A ideia da sua constru­ção resultou, em parte, do aproveitamento de uma magnífica fonte de alta tensão, constituída por umas centenas de pequenos acumuladores, que eu havia adquirido no Instituto do Rádio de Paris para servir na Secção de Radio­actividade do Instituto do Rádio de Coimbra... o pequeno emissor, cuja potência, na antena, não ia além de 10 W, depressa conse­guiu impor-se, fa­zendo, durante largos períodos de tempo, emissões diárias com agrado geral para a grande maioria dos radiófilos da época...". O emissor chegou a ter 400 W de potência. Por este motivo escreveu: "... O que se pedia para pôr a funcionar a Emissora Universi­tária reduzia-se a umas escassas dezenas de contos. Pois nem assim foi possível vencer a má-vontade dos que, incompreensivelmente, se conluia­ram para impedir que à Universidade fosse dada a sua Emissora...".

Esquema do emissor de rádio integralmente construído no Laboratório de Física da Universidade de Coimbra em 1933 [1]

Mário Silva, no prefácio do seu livro «Elogio da Ciência» escrevia: "... Que poderia ter sido facho aceso no cimo da Colina Sagrada e ter servido assim como centro, altamente simbólico, de irradiação da Ciência que à Universidade compete ensinar em todos os seus múltiplos aspectos e difundir sob todas as formas...". Após um ciclone em Fevereiro de 1941, em que ficaram cor­tadas todas as comunicações de Coimbra com o ex­terior, a administração dos C.T.T. pediu ao Laboratório de Física a cedência do Emissor Uni­versitário a fim de as poder manter. Mário Silva con­cordou, seu director concordou. Na altura, proibido de funcionar devido à oposição da Emissora Nacional, o emissor manti­nha-se contudo operacional. Lamentava-se Mário Silva, muitos anos depois: "... não só não consegui­ra fazer vingar a Emissora Universitária de Coim­bra como o emissor se voltou contra mim por a PIDE se querer aproveitar do caso, aquando da minha prisão..." [2] (em 1946). Ainda não existia a Emissora Naci­onal quando foi fundado por Mário Silva, à mar­gem da Universidade e em colaboração com Antó­nio Ne­ves, Abílio Alagoas e outros radioamadores, o Rádio Clube do Centro de Portugal [2], do qual Mário Silva foi presidente da direcção.

Mas a principal curiosidade, para além da originalidade da emissora de rádio propriamente dita, é que esta foi levada a cabo, exclusivamente, com engenho português. Pois, como escreve Teixeira Lopes, no início seu artigo [1]: "O pequeno emissor de T.S.F., do Laboratório de Física da Universidade de Coimbra, inteiramente construído no mesmo laboratório, é, nos seus órgãos essenciais, uma miniatura dos grandes emissores comerciais realizados pelas casas construtoras da especialidade". Provavelmente idênticos aos usados posteriormente pela Emissora Nacional e RCP. Aqui fica,portanto, a referência ao primeiro emissor de rádio construído inteiramente em Portugal. Pena que este engenho tenha sido igualmente esmagado pela estupidez e mesquinhez daqueles que idolatraram o regime salarazista. Não só a projectada emissora teve que fechar portas, como o precioso emissor desapareceu sem deixar rasto. Também o que escrevemos nestas linhas não consta, ao que sabemos, de nenhuma História da Rádio escrita em Portugal (oficial) ou em qualquer outra língua. O que é de lamentar profundamente. Mas não se estranha, quando toda a documentação relacionada com o Professor Mário Augusto da Silva e seus colaboradores desapareceram do Arquivo da Universidade. Só restam umas poucas páginas das reuniões do Senado que não foram apagadas por ser escandalosamente óbvio. Mas se os nossos historiadores têm dúvidas e pôem em causa o que dizemos, aconselhamos a leitura da referência [1], numa primeira abordagem ao problema. Depois consultem os jornais de Coimbra da altura. Pena que a investigação nunca se faça com deveria ser feita...

[1] J. Teixeira Lopes, O Emissor de T.S.F. do Laboratório de Física da Universidade de Coimbra, Revista da Faculdade de Ciências, Vol. III Nº 1, 1933.

[2] Mário A. da Silva, Elogio da Ciência, Coimbra Editora, 1963.

PS: Para mais pormenores sobre a história da rádio em Coimbra e Portugal ver aqui. Lembramos que o que está escrito nesse "site" sobre "A Emissora Universitária de Coimbra" foi retirado do meu texto publicado no site do Museu Pombalino de Física da Universidade de Coimbra e que nós aqui publicamos novamente. Apesar de não sermos ali citados, só é pena que o autor deste "site" dê mais importância ao rádio amadorismo da altura do que à história da rádio propriamente dita.

2 comentários:

Anónimo disse...

Aprendi muito

João do Lodeiro disse...

Ainda bem. Fico contente por saber que não foi em vão que escrevi este texto. Pois, em jeito de desabafo, muito pouca gente se interessa, genuinamente, por assuntos relacionados com a história da ciência e da técnica portuguesas. Até fomos capazes de fechar o nosso Museu Nacional da Ciência e da Técnica. Somos um país fantástico, cheio de pessoas cultas...