Razao

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16/03/08

A Mula do Severino Espanhol e o Médico

Um conto do meu pai. Em memória do pai mais sábio do mundo.
Este conto é dedicado ao Carlos Freitas, confrade blogueiro do prosas vadias e à sua mulher. Porque de facto o mundo é pequeno...
O Severino Gonçalves mais conhecido por Severino Espanhol
Naquele tempo, a Vide não tinha acesso fácil aos lugares ou lugarejos da sua freguesia. Não tinha estradas, mesmo de terra batida, mas sim, caminhos, entre urgueiras e barrancos. Por isso, as deslocações humanas, por transportes, eram feitas por mulas ou machos, como se estes animais fossem mula-táxi ou macho-táxi.
O médico Dr. Vasco de Campos, de Avô, médico da minha família e com fortes laços de amizade, visitava, frequentemente, os seus doentes ou quando, por chamadas urgentes, em Vide ou na sua freguesia. Numa entrevista que me concedeu na Ponte das Três Entradas, aliás publicada no jornal “A Comarca de Arganil”, contou-me um episódio numa das suas visitas médicas, a uma aldeia escondida na freguesia de Vide.

- Eu: - Recorde-me, Dr. Vasco, um episódio da sua vida de médico, que ficou bem gravado nas suas recordações, durante as suas caminhadas por terras do Alva e por terras serranas.
- Dr. Vasco: - Por coincidência, conto ao meu bom amigo um episódio, precisamente na freguesia de Vide. Como sabe, estudo e observo com interesse, os comportamentos humanos necessários aos diagnósticos que suportam a minha vida de médico.
Vou contar: fui chamado, com urgência, para acudir a um doente na sua freguesia. O Severino Espanhol era o melhor arreeiro que topei nas minhas andanças, por vezes sem descanso. Parti de Vide, montando a mula do Severino. Percorrido já um longo percurso, aliás muito mau e agreste, o Severino, bruscamente e com um forte esticão, parou a mula. Surpreendido, perguntei-lhe:
- O que se passa?
Justificou:
Sr. Doutor estamos por cima de um barranco fundo e a pique e, por isso, a mula não pode continuar a ser montada. Agora, Sr. Doutor Vasco, daqui para adiante, só passam e andam neste caminho bestas com dois pés. Mas não esteja com essa cara, porque vai beber uma golada de vinho tinto da garrafa que aqui trago. Olhe, a minha mulher não quer que beba vinho branco, porque, diz ela, que faz mijar muito e obriga a ter muitas paragens pelo caminho.
Para me acalmar da situação e ter mais coragem para continuar o caminho a pé, como se fosse a besta do Severino, bebi uma golada de vinho tinto:
Ó Severino, esta palha é da melhor. Foram os agradecimentos da besta.

- Eu: - Dedicado amigo Dr. Vasco, as nossas recordações nunca morrem, eternizam-se.
C.N.
PS: por falar em confrade, o próximo conto será sobre a confraria do carolo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Especial Obrigado.

Anónimo disse...

Em especial um muito OBRIGADO, por me ter trazido à memória, uma pessoa que tive pouco tempo de a conhecer, e mesmo assim vive nas minhas memórias: o meu avô Severino. Teria eu 7 ou 8 anos quando ele morreu. Mas a sua figura jamais me saiu da memória, por vários motivos, um deles era o falar catalão, eu deliciava-se sentada no chão e ele já muito velho, mas de um porte altivo como uma árvore, sentado numa cadeira com o queixo poisado na bengala, o cabelo todo branco e aqueles olhos azuis, brilhantes que liam sem precisar de óculos, e que em catalão contava-me histórias, passadas naquelas escarpas serranias, que eu ficava sonhando e imaginando aquele Homem, que me orgulhava, sentia e sinto muito orgulho de ser sua neta. Pouco ou nada sei da vida dele, embora meu Pai, já falecido, levou-me e à minha Mãe a Cousada, terra de meu avô, que fica perto de Ourense. familia humilde, mas muito boa, foi uma viagem inesquecível para mim. Tentarei voltar lá, agora já com esta idade, quero saber mais daquele Homem, que é o meu Avô, o Espanhol.
Um beijo de agradecimento, perdoe-me a ousadia, mas nem calcula a alegria que me deu.
Ana Gonçalves Borges

João do Lodeiro disse...

Cara Ana, eu é que lhe agradeço este seu comentário. Nem sabe a alegria que me deu. O meu pai também conheceu muito bem o seu avô. Aliás, este conto é uma homenagem ao seu avô, ao Dr. Vasco de Campos e, no fundo, às pessoas simples e boas do Portugal profundo, de entre a Estrela e o Açor. Numa palavra: verdadeiras. Estes pequenos contos, trazem-nos a essência do ser português, que, infelizmente, só se dá a conhecer a alguns. Os outros, só por intermédio de Torga ou Aquilino, por exemplo, podem ter um cheirinho disso mesmo. Do ser português. Apesar de tudo...

João do Lodeiro disse...

E cara Ana, vale sempre a pena quando a alma não é pequena, não é?